|
Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.
Carlos Marinho - Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática
|
Numa aula os alunos de uma turma foram
instados a escrever uma composição com o tópico “férias grandes e um desejo
para o Natal”. Este trabalho não era para avaliação.
Volvidos alguns dias, uma aluna da
escola e filha de uma professora, entrou na sala de professores com um papel na
mão. Não conseguia segurar as lágrimas. Chorava copiosamente. Entre soluços tentava
justificar-se. Não parava de chorar. Os professores rodearam-na. Não conseguia proferir
uma palavra. Num gesto tolhido exibiu uma redação escrita por um colega de
turma. Todos perceberam a gravidade do momento. Alguém mais intrépido leu o
papel em voz alta. Subitamente perdeu a lucidez pela emoção.
O texto dizia: Nunca tive
férias, nem nunca viajei, por isso, vou falar um pouco sobre a minha vida para
que percebam o meu desejo de Natal. Nunca tive um
brinquedo, nem sequer no Natal. Só tenho um par de calças, uma camisa, uns
sapatos e um casaco... o meu desejo é ter comida para a minha família e um
presente pelo Natal, especificamente um carro telecomandado. Fascina-me desde
criança. É o meu sonho.
Durante uns minutos todos ficaram
chocados. Um nó na garganta apoderou-se de todos os presentes. Cada um tentava
conter a emoção, perdidos nos seus pensamentos, não segurando as lágrimas. Aquele
rapaz de 17 anos, com corpo de homem e cara de menino, estudante do 12º ano,
apresentava-se na escola sempre com a mesma roupa, mas sempre muito limpo. Era
um aluno muito educado, generoso, a bondade em pessoa. Um excelente aluno. As
suas notas superavam sempre os dezoitos valores. Quando os colegas o
interpelavam por trazer sempre a mesma indumentária, defendia-se referindo que
tinha roupas iguais. Pensavam ser um excêntrico. Esta família desde sempre teve
dificuldades financeiras. Para agravar a
situação, o seu pai ficou doente com uma tuberculose grave, a mãe ficara
desempregada para cuidar dele. Recebiam apenas uma pequena pensão para quatro
pessoas.
Foi solicitado à discente para repor
o papel onde o tinha tirado, pedindo-lhe segredo. Desde logo se elaborou um plano SOS.
Foram despoletados todos os mecanismos de assistência. Contactou-se a segurança
social que providenciou um profissional para tomar conta do pai. A mãe voltou a
trabalhar. Fez-se uma coleta entre professores para a compra de bens
alimentares. Não foi necessário, o hipermercado foi solidário e ofereceu tudo.
Reuniu-se dinheiro para adquirir o
carro telecomando, roupa para a família e outros presentes. Uma das professoras encarregou-se de comprar o carro telecomandado. Todos se reuniram na
escola. Num primeiro momento estavam todos escondidos, exceto a diretora de
turma. Todos ansiavam por este momento. Que reação teria o aluno perante esta
inusitada situação? Quando a diretora de turma lhe presenteou o carro
telecomandado, a resposta não se fez esperar com um abraço indómito do tamanho
do mundo. Todos apareceram. Agarrou a diretora de turma como se estivesse a
abraçar todos os presentes. Fê-lo com força e emoção, a chorar compulsivamente e
sem a largar, disse: este ano vou ter um
Natal como os meus amigos com comida e um carro telecomandado. Obrigado a
todos. Estou muito feliz e vocês proporcionaram isso. Ele chorava de alegria e
os professores também. Este acontecimento tem apenas 4 anos...não
é um mito urbano.
Este episódio passou-se numa escola do nosso país. Uma escola pública. Esta é a escola pública que eu conheço há mais de vinte anos. É nela que depositamos a esperança de um país a espaços pobre em valores. A escola pública ensina com qualidade, amortece todos os problemas de uma sociedade achacada de problemas. Por ação dos seus professores e outros agentes de ensino é solidária, amiga, esmagadora nos seus objectivos de ajuda. O investigador Valdi José Bassin refere que “é preciso encarar a criança tal como ela é, enquadrada num meio tal qual ele é, isto é, num meio natural e biológico, familiar e escolar (...) a satisfação das necessidades da criança, passa por examinar todos os fatores desse meio: o meio humano, familiar, escolar e social(...) Não se pode separar a criança do meio, não há indivíduo fora da sociedade”.
Este aluno estará agora em medicina...
Basta clicar em "GOSTO" na página do Facebook do Clube SPM. Siga-nos em Facebook Clube SPM