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A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado. José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP
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Qualquer pessoa que tenha alguma experiência em fazer cálculos à mão constata que, em geral, dá bastante mais trabalho multiplicar dois números do que somá-los, sobretudo se tiverem bastantes algarismos. Poder-se-ia pensar que não há nada a fazer quanto a isso, mas em casos destes há sempre pessoas que não se resignam e tentam melhorar o estado das coisas. Foi o que aconteceu por volta de 1600, quando dois homens, John Napier (mais conhecido por Neper) e Jost Bürgi, inventaram os logaritmos independentemente um do outro, Neper na Escócia e Bürgi na Alemanha.
Para explicar a ideia que está por trás dos logaritmos, imaginemos que se querem multiplicar os números x = 11,491 e y = 8,573. Se conhecermos um número a tal que x = 10a e um número b tal que y = 10b, a tarefa fica facilitada, pois então x×y = 10a×10b = 10a + b. E ainda mais facilitada ficará tivermos algum processo rápido de obter o valor de 10a + b. Acontece que basta tomar a ≈ 1,06036 e b ≈ 0,933133. Então a + b ≈ 1,99349 e 101,99349 ≈ 98,5123. Foi precisamente esta a ideia de Neper e de Bürgi, embora eles não tenham empregue o número 10. De facto, qualquer número positivo (excepto 1) possa ser usado no lugar de 10.
Imagine-se então que se tem uma grande tabela com muitos números e, ao lado de cada número x, um número a tal que x = 10a. Este número a é aquilo a que se chama o logaritmo de x na base 10 e representa-se por log10(x). Então log10(x×y) = log10(x) + log10(y). Por outras palavras, o logaritmo na base 10 (ou em qualquer outra base) converte produtos em somas. Para calcular x×y, somam-se então os respectivos logaritmos e, recorrendo novamente à tabela, vê-se qual é o número cujo logaritmo é essa soma; esse número é então x×y.
Neper publicou a sua tabela de logaritmos, bem como a explicação sobre como os usar, em 1614, num livro chamado Descrição da maravilhosa regra dos logaritmos. Como é natural, levou anos (vinte, para ser preciso) a fazer os cálculos necessários para a construção da tabela. Quanto ao trabalho de Bürgi, que teve a mesma ideia ainda antes de Neper, só foi divulgado (por pressão por parte de Kepler) depois de o livro de Neper ter sido publicado. A ideia dos logaritmos espalhou-se muito rapidamente, devido à necessidade de efectuar multiplicações por parte de pessoas que trabalhavam em Astronomia e em áreas relacionadas (tais como a cartografia ou a navegação astronómica). Dois séculos após os logaritmos terem surgido, o matemático e astrónomo francês Pierre-Simon Laplace ainda os descrevia como «um artifício admirável que, ao reduzir a poucos dias o trabalho de muitos meses, duplica a vida do astrónomo e poupa-o ao erro e à repulsa que acompanham sempre longos cálculos».
Nem Neper nem Bürgi eram matemáticos ou sequer do meio académico; Bürgi nem sequer sabia latim, o que era uma enorme limitação na época. Os logaritmos foram vistos inicialmente como um meio útil para acelerar multiplicações (e divisões, pois o logaritmo do quociente entre dois números é igual à diferença dos respectivos logaritmos), mas não mais do que isso. Só começaram a despertar o interesse dos matemáticos quando, décadas após ter surgido o livro de Neper, Grégoire de Saint-Vincent estudou o seguinte problema: dados dois números a e b maiores do que 0, qual é a área da figura do plano limitada pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a e x = b e pelo arco de hipérbole y = 1/x (veja-se a figura abaixo)? Vamos representar esta área por A(a,b). Grégoire de Saint-Vincent provou que esta área não muda se a e b forem substituídos respectivamente por ac e por bc, onde c pode ser qualquer número positivo. Resulta daqui que, se x e y forem positivos, então A(1,xy) = A(1,x) + A(1,y). Temos então outra função que tem a propriedade fundamental dos logaritmos, que é a de enviar produtos em somas.
A função descoberta por Grégoire de Saint-Vincent é aquela que hoje em dia se chama logaritmo natural, que é o logaritmo na base e (≈ 2,71828). Pode-se pensar que não há nada de natural em usar-se esta base em vez da base 10, mas a importância da base 10 provém, em última instância, do facto de termos dez dedos! Matematicamente, não é um grande argumento…
Os logaritmos levaram à criação da régua de cálculo, que é um dispositivo mecânico que usa logaritmos para ajudar ao cálculo de multiplicações e divisões. As réguas de cálculo foram muito usadas por cientistas e engenheiros até terem sido tornadas obsoletas pelas calculadoras. Mas os logaritmos não ficaram obsoletos por isso, pois foram sendo encontradas muitas aplicações para eles.
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