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Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.
Carlos Marinho - Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática
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Todos a exame. Não se pense que são só os alunos (107 mil) que vão a exame de 4º ano de matemática no dia 10 de maio. Não! Vão professores, pais/encarregados de educação, o ministro Nuno Crato, o ministério de educação, escolas e até o orçamento de estado.
Austeridade para todos. Com direito a mobilidade especial. Como sabemos, em muitos casos os alunos vão ter de realizar o exame nos agrupamentos sede. Uma mobilidade especial que não estava em agenda. Voltemos ao exame. Temos a novidade de um regresso ao passado. O exame em 2013 tem uma ponderação de um quarto (25%) da nota final do 4º ano. Após a sua realização, este será corrigido, e aguardará em lume brando, até que o professor titular de turma defina a nota de frequência de cada aluno. A seguir, faz-se um cálculo simples: 3 vezes NF (nota da frequência) + 1 vez NE (nota do exame). Faz-se a média aritmética deste resultado et voilá. Um pequeno exemplo. O Gaspar tem 3 (nota da frequência) e 1 em exame. O que acontece este ano? 3 vezes 3 igual a 9 mais 1 vezes 1 igual a 1. Somamos 9 e 1 temos 10. Dividimos por 4 e obtemos 2,5. Obtemos a nota final de 3. Este ano de 2013. Porque em 2014, a consequência é outra. Com estes resultados, o Gaspar tem de ir a novo exame, em pleno julho, com aulas de apoio (não obrigatório). Senão vejamos: 3 vezes 0,70 é igual a 2,1; 1 vezes 0,30 é igual a 0,30. Somamos as duas parcelas, obtemos 2,4. O aluno chumba. Para estes alunos, as férias vão se tornar necessariamente mais curtas. Um segundo exemplo, este mais punitivo. O João tem 2 na frequência (2 vezes 3 é igual a 6 e em exame tem 3). Após uns cálculos simples, vem 6 mais 3 são nove, dividido por 4 teremos 2,25. O aluno chumba em 2013 e 2014, em qualquer dos casos. E, pergunta-se? Mas o aluno atingiu o nível positivo em exame, chumba? Sim! E já agora, o exame é de carater obrigatório. Têm de o fazer. Ou na primeira chamada, 10 de maio, ou na segunda chamada em julho. Se porventura, faltarem a estes dois momentos de avaliação, chumbam o ano. Não há a modalidade de rescisão amigável com o exame.
Os professores também vão a exame. Numa altura que se discute a formação do professor primário que deveria ter uma boa especialização em matemática, vão pela primeira vez em muitos anos ser postos à prova com este exame. E que prova. Muitos vão ter uma dicotomia, a saber: avaliar na frequência com 3 um aluno que pode ter nível 1 em exame (pode ser incomodativo) ou chumbar na frequência um aluno que em exame pode ter nível 3. Este é um verdadeiro problema.
Os pais e encarregados de educação, diria a família também vão a exame. Nestes dias, o stress em casa vai ser maior. Ajudar os filhos a estudar, reunir o material (a máquina de calcular não é necessária), levantar cedo uma vez que o exame não espera e depois aguardar...e ver como correu. Ufffa. Até as férias podem estar em causa, uma vez que a segunda chamada do exame é em julho...mês de férias para muitas famílias.
O ministro Nuno Crato, uma vez que este exame é uma aposta pessoal, entendendo que a melhor ferramenta de controlo de qualidade de ensino passa pela realização de exames confirmando que a origem dos problemas à disciplina estará a jusante, neste nível de ensino. Contudo, não é por tornar obrigatório um exame que tudo vai melhorar no reino da matemática.
O ministério de educação, uma vez que faz uma aposta que das duas uma: ou corre muito bem (conseguem explicar muito bem para que serve o exame, justificando a sua necessidade) e conseguimos manter os resultados obtidos nos últimos anos, onde crescemos em todos os relatórios internacionais a matemática ou daqui a uns tempos, não muito, a primeira medida dum governo próximo é fazer cair o exame do 4º ano.
A escola. O exame é na escola. É aqui que se centram todas as problemáticas. Não só porque é mais um momento de pressão para todos, como por outro lado, vai trata-se de um exame à aprendizagem desenvolvida que tem um retorno rápido, aquando da saída das pautas.
Por fim, o orçamento de estado. Vai a exame uma vez que a realização de um momento de avaliação desta natureza tem os seus custos. Em tempo de vacas magras...
Este episódio do exame de 4º ano faz-me lembrar, não sei porquê, uma fábula que o pedagogo Miguel Ángel Santos Guerra conta:
“Há muito, muito tempo atrás, num dos dias mais quentes de Inverno, o director da escola entrou de surpresa numa sala onde o grilo dava aos seus alunos grilinhos uma aula sobre a arte de cantar, precisamente no momento em que explicava que a voz do Grilo era a melhor e a mais bela de todas as vozes, uma vez que se produzia mediante o adequado bater das asas contra a couraça, ao passo que os pássaros cantavam pessimamente porque só utilizavam a garganta, obviamente o órgão do corpo menos indicado para emitir sons doces e harmoniosos.
Ao escutar aquilo, o Diretor, que era um Grilo muito velho e muito sábio, acenou várias vezes com a cabeça e retirou-se satisfeito com o facto de, naquela escola, tudo continuar como nos bons velhos tempos.