Entrevista com Teresa Ricou (Chapitô) - Ser livre, é uma sabedoria

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Entrevista com Teresa Ricou - Chapitô

     

Maria Teresa Madeira Ricou nasceu a 12 de novembro de 1946, na Praia da Granja. Ficaria conhecida por Teté, a mulher-palhaço, a sua profissão no início da década de oitenta e, mais tarde também por ter sido a mentora e construtora do projeto Chapitô, uma associação sem fins lucrativos que promove atualmente, através das artes e dos ofícios do espetáculo, a integração social de jovens em situação de fragilidade social. Sem malabarismos aqui fica a matemática de Teresa Ricou...

 

O que nos pode “contar” da sua infância?
Tive uma infância feliz em África, acompanhando o meu Pai (médico de lepra) e a minha Mãe, que se ocupava da família, uma excelente rectaguarda, organizada, solidária e carinhosa com a família de sete filhos, e com toda a equipa que acompanhava o meu Pai – enfermeiros, anestesistas, etc.. Era o cenário que nos rodeava no interior de África, Angola, junto com a missão dos Padres, também eles acompanhando o meu Pai. Foram muitos e muitos quilómetros de estrada e de rios atravessados na floresta densa de África.

Gostava de Matemática na escola?
Aos 7 anos ingressei em Colégios de Freiras, pois os estudos, que até então eram feitos em casa, começaram a necessitar de mais atenção. Acabei por andar de colégio em colégio, pois nunca fui pessoa de me adaptar a grandes internamentos, a adaptação era difícil, e os meus Pais lá negociavam as minhas estadias. Sempre gostei de apreender, mas de uma forma muito especial. A minha rebeldia, por vezes, não se coadunava com a formalidade do ensino dos professores. Na matemática, nunca fui de fazer muitas contas. Sempre contei pelos dedos, ainda hoje o faço, além de ser muito intuitiva com os números, “desenrasco-me”, mas sei sempre às quantas ando.

Um excerto de uma aula de Matemática que a tenha marcado em criança.
Um dia puseram-me de castigo no sótão do Colégio e entretive-me a descobrir o que para lá havia. Descobri uma série de vestes das freiras, vesti-me toda como uma verdadeira freira e na aula de Matemática pus-me atrás do mapa geográfico. Quando foi a chamada, eu era o nº 13, levantei o braço detrás do mapa e apresentei-me. Quando a Madre me viu naqueles preparos, apanhou uma fúria e levou-me à Madre Superiora. Voltei de novo para o sótão. Toda a gente fez a maior festa, nessa aula.

Lembra-se como e quando “equacionou” abraçar o mundo do espectáculo?
Desde a infância eu era a animadora dos colégios, sempre bem disposta, divertida e a agitar o pessoal. Portanto, sempre tive a vontade e o espírito de fazer rir. Mesmo nas situações mais complicadas, eu dava a volta, e concretizava as coisas de uma forma mais leve. Só consegui perceber que queria ir para o Circo quando a minha família vinha à Metrópole (Portugal) em “Graciosa” (licença de férias). Lá no Norte, na minha terra, eu ia ver os circos nas praias e ficava delirante com os palhaços… é mesmo isto que eu quero ser. E assim foi, depois de muitas voltas na minha vida, a memória persiste e, aos 20 anos, tive a oportunidade, em França, de ir para o Circo. Ainda não havia Escola em 1968/69/70 e fui fazer a Bilheteira, ajudava no Guarda-Roupa e, quando foi possível substituir um palhaço que adoeceu, não perdi a oportunidade. Assim comecei na pista do circo Amar, em França, no Théâtre du Chatelet, e treinava todos os dias no ginásio do Circo com outros artistas, e ensaiava no Metro, em Paris.

A Teresa inventou a “Teté, a mulher palhaço” na década de 80. Quer-nos contar um pouco dessa experiência?
A figura do Palhaço, numa perspectiva de old school, tem que dominar várias técnicas. Eu trabalhava, essencialmente, monociclo, arame, malabares, claquetes e trompete. O meu personagem “Teté” foi surgindo ao longo de dez anos, até chegar à “Teté”, uma mulher, solitária, bonita, com uma galinha por companhia e mais as suas malas.

O humorista/palhaço é como o matemático, se arranja uma solução errada, temos um problema.
A profissão de Circo é quase como a Matemática. Uma parte é ciência exacta, a outra é criativa. Se uma não está inteiramente ligada à outra, pode ser “a morte do artista”, o que é um problema.

O Chapitô é uma solução para…
O meu prazer em desenvolver uma profissão de que gosto. Achei, e quis partilhar com outros jovens, que ao verem-me trabalhar, na época no Coliseu, nos Circos, nos bairros, também quisessem aprender. Resolvi criar um espaço de encontro, de treino, de ensaio de espectáculo, e assim nasceu o Chapitô, que nos seus primeiros anos de existência foi numa sala de um centro de dia de idosos, na Rua de São Boaventura, no Bairro Alto.

Uma frase sua de apresentação do Chapitô é “como se fora a última festa de um tempo já passado ou a primeira de outros tempos futuros…” Quer explicar?
É isso mesmo, o que é preciso é termos o sentido de Festa e de Solidariedade, como se fora a última ou o futuro de um tempo que nos pertence.

O malabarismo e a matemática foi uma palestra do matemático António Machiavelo (que também sabe fazer malabarismo), em articulação com o Chapitô. O objectivo do Chapitô é promover e gerar ligações com o mundo que nos rodeia?
A Matemática pode ser tão criativa como qualquer outra disciplina, depende como ela é dada. Sobretudo, ajuda a organizar as ideias para melhor podermos criar e inventar outros números. O Malabarismo envolve destreza e concentração e a matemática ajuda-o, na medida em que contribui para a descoberta de novos padrões malabares, e é um grande treino mental e de coordenação motora com as mãos e com os pés (anti-podismo). No Chapitô, sendo um espaço público de ensino e promoção da arte ancestral do Circo e uma instituição com estatuto de superior interesse social, sabemos que através das artes, se geram ligações com toda a sociedade civil.


Tem recebido prémios/nomeações, alguns deles internacionais. Que significado têm na sua história de vida?
A nossa responsabilidade social não precisa de ser premiada, no entanto, isso faz parte do hábito de uma sociedade. Conforme o ritual de cada atribuição e a seriedade da mesma, sem ser banalizada. É bom participar nesse ritual, não deixa de ser um estímulo. Pode ser bom, para quem dá, receber algo. É um equilíbrio.

Portugal é um país triste?
Portugal é um País maravilhoso, com gente simples, pouco ambiciosa pela qualidade de vida. Os portugueses são quase tristes porque ainda não aprenderam a fazer o que gostam para serem felizes. Ser feliz dá muito trabalho. Ser livre, é uma sabedoria.

Teresa Ricou é e será sempre…
Sou uma guerrilheira, sou livre. Tenho compromissos comigo, com o meu filho, com a vida, que é uma enorme responsabilidade. Escolhi ser aquilo que sou. Mulher/Artista/Mãe, com uma missão de justiça social. Tudo farei para o conseguir, sem grandes compromissos com a felicidade.


Por Carlos Marinho
Publicado/editado: 01/09/2013