(U)Ma Temática Elementar por José C. Santos

Eixos de Opinião abril de 2014

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP       


Dia 21 de cada mês

                 


Artigo José Carlos Santos em (U)Ma Temática Elementar

Artigo de abril de 2014

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Título: Pi

Poucos tópicos matemáticos são tão famosos como o número π. De facto, é difícil conceber algum tema matemático que seja mais popular junto de não matemáticos do que as propriedades deste número.

Os alunos de Ensino Básico são expostos ao número π de duas maneiras diferentes, que envolvem uma circunferência e um círculo de raio r:


 a área do círculo é o produto de π pelo quadrado de r.

 o comprimento da circunferência é o produto de π pelo dobro de r.


Historicamente, a primeira destas fórmulas é a mais antiga. Já há cerca de 4000 anos os babilónios e os egípcios afirmavam que há um número que, multiplicado pelo quadrado de um comprimento r, dá a área do círculo de raio r. E que número era esse? Segundo os babilónios, seria 25/8 (= 3,125), enquanto que para os egípcios o seu valor era 4×(8/9)2 (cerca de 3,16).

Quem estabeleceu a relação entre a constante que surge na fórmula da área do círculo de raio r e a do comprimento da circunferência do mesmo raio foi Arquimedes. A figura abaixo ajuda a explicar como o justificar. Imagine-se que a circunferência é dividida num número grande (e par) de bocados todos iguais (como na figura). Se estes bocados forem reagrupados, obtém-se uma figura que está próxima de ser um rectângulo em que um dos lados mede metade do comprimento da circunferência e os lados adjacentes a este têm por comprimento o raio r da circunferência. Como o rectângulo e o círculo têm a mesma área, o número que, multiplicado por r2, dá a área do círculo só pode ser o número que, multiplicado por r, dá metade do comprimento da circunferência.

 

Arquimedes e um matemático chinês chamado Liu Hiu fizeram um grande avanço na determinação do valor numérico de π. Arquimedes provou que este valor está entre 3+10/71 e 3+1/7 e qualquer pessoa podia levar o método de Arquimedes mais longe e obter o valor de π com uma precisão maior. Aliás, foi o que fez Liu Hiu (independentemente de Arquimedes, naturalmente, pois viviam a muitos milhares de quilómetros de distância). Até ao século XVII, o método de Arquimedes foi aquele que foi empregue para se ir conhecendo π com um número cada vez maior de casas decimais. A partir desta altura, começaram a ser descobertas algumas fórmulas curiosas relativas a π. Por exemplo, John Wallis descobriu que

π/2 = (2/1) ×(2/3) ×(4/3) ×(4/5) ×(6/5) ×(6/7) ×...


e Leibniz provou que


π/4 = 1 – 1/3 + 1/5 – 1/7 + …


Os avanços na determinação da expansão decimal de π permitiram constatar que não se conseguia detectar nela nenhuma periodicidade. Só em 1768 é que foi provado que uma tal periodicidade nunca seria detectada, pois nesse ano Lambert provou que π é irracional.

O grande avanço seguinte relativo ao conhecimento da natureza do número π teve lugar mais de um século mais tarde, em 1882. Para explicar em que é que consistiu esse avanço, vejamos o que significa afirmar que π é irracional. Naturalmente, significa apenas que π não é da forma m/n, com m e n inteiros e n diferente de 0. Isto é o mesmo que dizer que se m e n são inteiros e n é diferente de 0, então π não é solução da equação nxX–m=0. Logo, π não é solução de nenhuma equação polinomial de primeiro grau com coeficientes inteiros. Pois bem: em 1882, Ferdinand Lindemann provou que π não é solução de nenhuma equação polinomial com coeficientes inteiros, seja qual for o seu grau (fora a equação 0=0, naturalmente). E uma consequência disto foi ficar provado que o problema da quadratura do círculo (construir, usando somente régua não graduada e compasso, um quadrado com a mesma área que a de um círculo dado) não tem solução.

No próximo mês veremos brevemente ao que foi feito depois de Lindemann.

Publicado/editado: 21/04/2014