(U)Ma Temática Elementar por José C. Santos

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião novembro de 2015

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                                 

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP                        


Dia 21 de cada mês

                 


(U)Ma Temática Elementar por José Carlos Santos - Medir alturas

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião novembro de 2015

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Título: Medir alturas

Como é que se pode medir a altura de um objecto? Está-se aqui a pensar num objecto grande (um edifício, por exemplo) e eventualmente inacessível (como uma montanha). Há várias maneiras de o fazer usando Geometria elementar.


Há uma velha lenda segundo a qual Tales de Mileto, que viveu por volta de 600 aC, terá determinado a altura da pirâmide de Quéops usando a sombra de uma vara colocada na vertical. Segundo ele explicou, no momento em que a altura da vara for igual ao comprimento da sua sombra, a altura da pirâmide também será igual ao comprimento da respectiva sombra. Caso ele tenha entrado em conta com a largura da base, o método está correcto.


Cerca de 300 anos depois, Euclides observou que não é preciso esperar pela altura em que a altura da vara é igual ao respectivo comprimento. Veja-se a figura abaixo. Se o que se quer é saber a altura a que o ponto T está, ou seja, qual é a distância de T ao ponto P do solo que lhe fica mais próximo, coloca-se a vara BC na vertical de maneira que a extremidade C da vara seja o único ponto dela onde bate o sol. Mas então AB está para BC tal como AP está para TP. Isto permite então calcular TP desde que, é claro, se tenha acesso ao ponto P.


 


E caso não seja possível medir a distância de A a P? É uma situação muito natural; por exemplo, podemos estar a querer medir a altura de uma montanha. No século X, o astrólogo sírio Al-Qabizi resolveu o problema recorrendo a duas medições (veja-se a figura abaixo). Se o topo da montanha for o ponto T e se estivermos num ponto A, medimos (com um astrolábio) o ângulo α que AT faz com a horizontal. Em seguida, avançamos em direcção ao objecto cuja altura queremos medir e, ao chegarmos a um ponto B, medimos o ângulo β que BT faz com a horizontal.




Com estes dados, juntamente com alguma trigonometria, é possível calcular a distância de T à base P da montanha. Essa distância é dada por 


d/(cot(α) – cot(β)), onde d é a distância de A a B.


A fórmula anterior é geralmente atribuída ao cientista persa Al-Biruni (967–1048), mas isso não está correcto. Al-Biruni concebeu um método novo para determinar a altura de uma montanha que não usa funções trigonométricas e que só exige medições feitas a partir de um único local. Para tal, concebeu um novo instrumento (representado a vermelho na figura abaixo), que consiste num quadrado e numa vara, mais comprida do que a diagonal do quadrado, que tem uma extremidade ligada a um dos cantos do quadrado mas que, fora isso, roda livremente.




O instrumento é empregue do seguinte modo: coloca-se o quadrado na vertical pousado no chão, de modo que o quadrado e o topo da montanha estejam no mesmo plano e que o canto do quadrado do qual parte a vara seja, dos dois cantos que não estão no chão, aquele que está mais distante da montanha. Em seguida inclina-se o quadrado do modo a que o lado que, até aí, estava pousado no chão, fique a apontar para o topo da montanha e faz-se com que a vara fique a apontar também para esse ponto. Finalmente, marca-se o ponto do chão mais próximo do canto do quadrado do qual parte a vara. Estamos então na situação descrita pela figura. Podemos agora encontrar a distância de A a T. Com efeito, os triângulos TAD e DCE são semelhantes e resulta daí que

TA/AD = DC/CE, ou seja, que TA = AD×DC/CE.


Mas o que se quer medir é a distância de T a P. Para tal, recorre-se agora ao facto de os triângulos ADF e TAP também serem semelhantes. Resulta daqui que

TP/TA = AF/AD e, portanto, que TP = AF×DC/CE.


Este é um dos muitos exemplos existentes de como o uso de alguma Geometria permite fazer medições que poderiam parecer impossíveis de efectuar sem o uso de tecnologia sofisticada.


Publicado/editado: 21/11/2015