Se e Só Se por José Carlos Pereira

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião janeiro de 2016

               


Nesta coluna pretendo partilhar todos os meses a minha opinião sobre questões relacionadas com a Matemática e com o seu ensino. Os leitores são convidados a comentar, com argumentos a favor ou contra, aliás é esse o objectivo desta coluna: discutir diferentes pontos de vista sobre o tema do artigo (dia 3 de cada mês).


José Carlos da Silva Pereira – Professor de Matemática, autor de livros escolares e responsável pelo site Recursos para Matemática. Ler artigos anteriores aqui.



Se e Só Se por José Carlos Pereira - Um Primeiro Balanço

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião janeiro de 2016

 

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Título: Um Primeiro Balanço


Terminado o primeiro período é tempo de fazer um primeiro balanço sobre a forma como está a correr a aplicação do novo Programa de Matemática A do Ensino Secundário (PMES). 


Dos relatos que tenho lido de vários colegas nas redes sociais é fácil perceber que as coisas não estão a correr bem. O que se temia parece estar a acontecer. Esperava-se que o formalismo em que está assente o programa e a sua extensão fizesse com que não fosse exequível, isto é, que fosse impossível de cumprir. Rapidamente essa impossibilidade começou a ser constatada e, decorrido apenas um terço do ano lectivo, os atrasos verificados em relação às planificações iniciais já são grandes. 


Pude confirmar o que acabei de escrever depois da pergunta que coloquei aos professores que estão a leccionar 10.º ano no grupo do Facebook “Recursos para Matemática”:


“Quantos tempos lectivos de atraso têm em relação à planificação inicial?”


Para facilitar a resposta dei cinco alternativas: 



Responderam 85 professores e os resultados podem ser consultados na tabela seguinte:




Não pretendo com esta simples pergunta fazer uma análise estatística exaustiva, até porque só responderam professores de Matemática que têm Facebook e que são membros do referido grupo. Nos entanto, não posso deixar de constatar que dos professores que responderam, a grande maioria, 55, escolheu o intervalo [10,15[. Ou seja, dos professores que responderam, quase dois terços têm entre dez e quinze tempos lectivos em atraso. Além disso, 69 professores entre os 85 (81,18%) têm pelo menos dez tempos de atraso! É razoável supor que cada um destes professores tem em média duas turmas (e que o atraso em cada uma delas é similar) e que cada turma tem em média 26 alunos. Isto representa um conjunto de 3588 alunos com pelo menos dez tempos lectivos de atraso! É assustador. É ainda mais assustador pensar que estes números podem reflectir o panorama nacional! 


O que se está a passar não é algo inesperado. Desde que a proposta do novo PMES foi conhecida, várias vozes referiram que a sua extensão e formalismo exagerados o iria tornar impossível de cumprir. Muitos professores enfrentam neste momento um dilema: tentar cumprir o programa avançando o mais rapidamente possível, o que implica muito pouco tempo para trabalhar cada um dos conteúdos; ou avançar mais pausadamente, trabalhando os vários conteúdos de modo que todos possam ter hipóteses de sucesso, e não apenas os melhores alunos. Esta opção implica atrasos em relação à planificação inicial, atrasos que se vão acumulando à medida que o tempo passa, criando um efeito do tipo “Bola de Neve”. Naturalmente grande parte dos professores opta pela segunda hipótese – ensinar não é debitar conteúdos a alta velocidade, que os alunos não podem acompanhar! Mesmo assim os resultados não têm sido, digamos, os melhores, para não utilizar um adjectivo mais negativo.


É necessário portanto fazer alguma coisa. Por onde devemos começar?


Em minha opinião são os departamentos de Matemática de cada escola que têm de fazer chegar ao Ministério da Educação, através dos canais próprios, um relato do que se está a passar. As associações de professores também deverão ser informadas, elas são um veículo privilegiado para transmitir as nossas preocupações aos responsáveis pela Educação no nosso país. É necessário que se faça imediatamente um balanço da situação e, na minha perspectiva, que se reajuste em termos de conteúdos e se redimensione o programa. Como referi no meu artigo de Outubro passado, também é muito importante que seja publicado o quando antes o documento com as informações para o Exame Nacional de Matemática A de 2018. A sua divulgação poderá ajudar enormemente os professores a seleccionarem os conteúdos mais importantes e constituir uma ajuda preciosa para os alunos, além de me parecer uma medida justa de elementar bom-senso. Se isto não se fizer, as consequências poderão ser dramáticas, começando pelo insucesso que aumentará e que provocará uma “perda” de alunos para outras áreas sem Matemática A.


Uma nota final. No dia em que terminei a redacção deste artigo, alguns deputados do Partido Comunista Português subscreveram um projecto de resolução (n.º 62/XIII/1.ª) sob o título “Suspensão das metas curriculares e abertura de um processo de debate para a definição de objectivos para uma real e profunda reforma curricular”. Este projecto de resolução apenas contempla o Programa e Metas Curriculares de Matemática do Ensino Básico. Vamos esperar para ver se haverá alguma iniciativa parlamentar ou governamental em relação ao PMES. Não obstante a urgência da situação, caso sejam feitas alterações nos programas dos Ensinos Básico e Secundário, é muito importante que as mesmas sejam feitas com cuidado, pensadas e sem precipitações. Mudanças radicais, sem debate e realizadas à pressa, quase nunca produzem bons resultados! 

   
Convido todos os professores de Matemática que estão a leccionar 10.º ano a deixar um comentário com as suas preocupações na página do Facebook do Clube SPM


Publicado/editado: 03/01/2016