Rui Licínio - Entrevistado clube spm de abril de 2016...

Clube Matemática da SPM - Clube Entrevista
 
 

Rui Licínio Barbosa Tavares (Árbitro Assistente Profissional de Futebol) é o convidado do clube spm do mês de abril do ano 2016. Pequenos passes pela infância, remates certeiros na escola, arbitragem sem esquemas táticos, belas fintas pelo futebol e claro, a matemática em off-side são os temas arbitrados nesta conversa com um dos melhores desta área. Este é o lançamento duma entrevista onde não há bolas na trave e, definitivamente que não está em fora de jogo...

 

As melhores jogadas da sua infância foram...
As brincadeiras de rua com os amigos. Jogávamos muitos jogos que hoje em dia quase desapareceram das brincadeiras dos nossos filhos: jogo do berlinde, jogo de caricas, corridas com os carrinhos de rolamentos, jogar futebol em que qualquer sítio (desde que a bola rolasse).

A escola era um terreno de jogo que...
Encarava apenas com a vontade de “treinar” o mínimo para ser convocado, ou seja, apenas estudava o suficiente para passar de ano quando podia e devia-me ter aplicado com maior determinação, pois quando nos esforçamos pouco arriscamo-nos a perder.

A matemática na escola estava ou não em fora de jogo?
Definitivamente em fora de jogo. Sempre tive uma maior tendência para as Línguas. 

Na escola jogava futebol ou já arbitrava?
Apenas jogava futebol e nessa altura nunca sequer pensei em ser árbitro. Somente muito mais tarde surgiu essa ideia de iniciar uma “aventura” na arbitragem.

Como se iniciou na arbitragem?
Durante muitos anos joguei futebol como atleta federado no clube da minha terra, o Padroense F.C., no entanto, como não me revelei um atleta de topo, resolvi parar quando tinha 25 anos.
Foi nessa altura que, através de um amigo, soube que iria haver um curso para árbitros de futebol de 11 na A.F. Porto e, levado pela curiosidade e também porque sempre gostei de desporto, resolvi inscrever-me.
Entretanto já se passaram 16 anos nesta “aventura”.

Como se prepara para os jogos de futebol?
Hoje em dia temos de ser verdadeiros atletas de alta competição se quisermos estar no topo, quer a nível nacional e ainda mais a nível internacional.
Temos de estar bem fisicamente pois, entre jogos nacionais e internacionais, facilmente atingimos os 40 jogos por época e para isso treino 4 vezes por semana e tenho um maior cuidado com a alimentação.
Assim que sabemos qual o jogo para o qual estamos nomeados, tenho o cuidado de visionar os jogos de ambas as equipas, para obter um melhor conhecimento da forma como jogam e principalmente como atacam, para perceber como se comportam ao nível de situações de fora de jogo.
Antes do início de cada jogo (40/45 minutos antes) faço um “pré-aquecimento” através do visionamento de situações de fora de jogo e tomo a decisão tal como se estivesse no jogo. Desta forma quando inicio o jogo, sinto-me mais preparado para analisar as situações de fora de jogo que possam surgir no imediato.

Porque é que a lei do fora de jogo (Lei XI) é tão difícil para o árbitro assistente?
Não é por ser árbitro assistente, mas penso que é a decisão mais difícil de analisar num jogo de futebol uma vez que temos de verificar se, no momento em que a bola foi tocada por um colega de equipa, o jogador para quem o passe foi efetuado estava ou não em posição legal e muitas vezes estes dois elementos (bola e jogador) têm uma distância entre si de dezenas de metros, aumentando assim a dificuldade da análise.
Depois ainda temos de analisar se o avançado interfere com o adversário, se influencia a ação do adversário ou se tira vantagem da sua posição, por exemplo após um remate à baliza de um seu colega.
O futebol moderno é jogado a uma velocidade estonteante e toda esta informação tem de ser “processada” pelo nosso cérebro em frações de segundo. Como costumamos dizer “analisar o fora de jogo é fácil, o problema são os jogadores mexerem-se muito rápido”.

Na dúvida, é melhor assinalar um fora de jogo ou deixar seguir a jogada?
Raramente um árbitro assistente tem dúvidas quando assinala um fora de jogo ou deixa seguir a jogada, pois para ele, naquele momento, ele tem a certeza que a jogada era legal ou ilegal. Mais tarde, ele poderá vir a verificar que a sua decisão foi correta ou incorreta, mas naquele momento ele tem a “sua” certeza.
No entanto, as orientações que temos são para deixar prosseguir o jogo pois o essencial do futebol são os golos.

No futebol o que mandava para a linha lateral?
Todas as discussões sobre os árbitros e arbitragem que interfiram com a vida privada árbitro e das suas famílias.
Comentar se o árbitro esteve bem ou menos bem naquele jogo, se foi mais ou menos competente, se fez um bom trabalho ou se teve um dia menos bom, é normal e todos nós estamos sujeitos à critica seja em que trabalho for. Nós, os árbitros, somos os nossos maiores críticos quando as coisas correm menos bem.
Quando as declarações, seja de quem for, incidem sobre a dignidade da pessoa que está por detrás do árbitro, aí ultrapassamos todos os limites do bom senso e este tipo de comportamento tem de ser excluído do palco principal do futebol, do “terreno de jogo”.

Rui Licínio com o ex-árbitro internacional inglês Howard Webb

Um dia normal fora do futebol é... 
Nos dias de hoje o futebol é vivido diariamente pois, como já disse anteriormente, quando atingimos o topo da arbitragem o número de jogos é bastante elevado e muitas vezes saímos de um jogo internacional e passado 2 ou 3 dias já temos outro jogo nas competições nacionais, fazendo com que seja difícil conciliar um emprego “normal” com a carreira de árbitro assistente internacional.
Tento efetuar o meu treino diário o mais cedo possível por forma a poder levar e buscar o meu filho à escola e estar o maior tempo possível com a minha família, pois normalmente aos fins de semana estou sempre ocupado e muitas vezes à semana também.

Equipa de arbitragem (José Rodrigues/Rui Licínio/Artur Soares Dias/João Silva)

Faz parte da equipa de Artur Soares Dias. Ele é um dos melhores árbitros da atualidade porque...
O Artur tem caraterísticas intrínsecas de um árbitro de topo a nível mundial. Ele é um líder por natureza, tem uma personalidade forte, tem uma grande atenção para os detalhes e tem uma presença física invejável e a tudo isto alia uma grande experiência na arbitragem, quer em virtude do seu pai ter sido um árbitro de topo da arbitragem portuguesa, quer, apesar de ser novo, dos muitos anos que já tem como árbitro.
Estou seguro que o Artur irá ter uma carreira brilhante quer a nível nacional, mas principalmente a nível internacional.
A presença no Campeonato Mundial U20 2015 que se realizou na Nova Zelândia, foi um primeiro passo numa nova etapa da sua carreira internacional.

O matemático Alfred Rényi disse que "quando estou infeliz trabalho matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho matemática para me manter feliz". O que o faz feliz? 
A arbitragem faz-me feliz, mesmo quando os jogos correm menos bem, pois faço aquilo que mais gosto e isso é o mais importante seja na “profissão” que for.

Não posso deixar de agradecer ao professor Carlos Marinho e ao Clube SPM, por esta oportunidade que me deram de poder partilhar um pouco mais sobre o mundo da arbitragem que, infelizmente, ainda é pouco conhecido. 

Por Carlos Marinho.

  

Publicado/editado: 01/04/2016