(U)Ma Temática Elementar por José C. Santos

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião abril de 2016

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                                      

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP                             


Dia 21 de cada mês

                 


(U)Ma Temática Elementar por José Carlos Santos - O último problema

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Título: O último problema

Quem já tenha estado exposto, por pouco que seja, à História da Matemática, sabe que os matemáticos da Grécia antiga tentavam resolver os problemas geométricos recorrendo somente a régua não graduada e compasso. E conseguiram resolver uma quantidade impressionante de problemas só com estas ferramentas tais como, por exemplo:


 Dado um rectângulo, construir um quadrado com a mesma área.


 Construir polígonos regulares com 3, 4, 5 e 6 lados (e também com outros números de lados, como 8 ou 15).


 Bissectar (isto é, dividir a meio) qualquer ângulo.


A lista poderia prosseguir, mas a verdade é que os problemas mais famosos foram aqueles que os gregos não conseguiram resolver recorrendo somente a régua não graduada e compasso, que são:


Duplicação do cubo: Dado um segmento de recta, construir um outro segmento de recta tal que o cubo que tem por aresta este último segmento tenha o dobro do volume do cubo que tem por aresta o segmento original.


Trissecção do ângulo: Dado um ângulo, dividi-lo em três ângulos iguais.


Quadratura do círculo: Dado um círculo, construir um quadrado com a mesma área.


De facto, além destes três problemas, havia toda uma família de problemas que eram os seguintes: dado um número natural n maior do que 2, construir um polígono regular com n lados.


Durante mais de 2000 anos, não houve qualquer avanço na resolução destes problemas, ou seja, não apareceu nenhuma resolução dos problemas que estavam em aberto. Mas no fim do século XVIII, um adolescente alemão fez o primeiro avanço nesta área ao mostrar como construir um polígono regular com 17 lados usando somente régua não graduada e compasso. Um feito espantoso, sem dúvida, mas convém saber que o adolescente em questão era Gauss, que tinha então apenas 19 anos. Cinco anos mais tarde, Gauss publicou o seu livro Pesquisas Aritméticas, onde explica quais são os polígonos regulares que se podem construir com régua não graduada e compasso e quais são os que não se podem (por exemplo, os polígonos regulares com 7 ou com 9 lados não podem ser construídos somente com essas ferramentas). Infelizmente, só publicou a demonstração no caso em que a construção é possível, mas não no outro.


A primeira demonstração de que certos problemas geométricos não podem ser resolvidos somente a régua não graduada e compasso só foi publicada em 1837, pelo matemático francês Pierre Wantzel, que provou que os problemas da duplicação do cubo e da trissecção do ângulo não têm solução, para além de ter aberto o caminho para se provar o mesmo para o problema da quadratura do círculo, o que acabaria por ser feito pelo matemático alemão Ferdinand von Lindemann em 1882.


E agora uma pergunta: dos problemas geométricos que os antigos gregos não conseguiram resolver, qual foi o último a ser resolvido? E quando é que foi resolvido? Começando pela última pergunta: em 1997!


Vejamos qual é o problema em questão. É um problema estudado por Ptolomeu no século II da nossa era e consiste no seguinte (veja-se a figura abaixo): Dados dois pontos A e B do interior de um círculo limitado por um espelho circular, determinar os pontos P do espelho tais que um raio luminoso emitido de A após ser reflectido em P passa por B. No caso da figura abaixo, o problema tem quatro soluções, das quais duas podem ser vistas na figura.


Apesar de ter sido estudado em primeiro lugar por Ptolomeu, o problema é conhecido por problema de Alhazen, que é o nome latinizado do cientista árabe Abu al-Haytham, que viveu por volta do ano 1000 e que também estudou este problema (e outros semelhantes), tendo-o resolvido por meio de instersecção de cónicas.
 



O problema de Alhazen começou a ser estudado na Europa Ocidental nas primeiras décadas do século XVII (por Isaac Barrow em Inglaterra e por René de Sluze na Holanda). Uma solução do problema, que se encontra ilustrada na figura abaixo, consiste em determinar a intersecção da circunferência dada com uma determinada hipérbole.


 
Como se pode ver, neste caso concreto há quatro pontos de intersecção e, portanto quatro soluções. Há sempre duas a quatro soluções.


Mas será que o problema pode ser resolvido só com régua não graduada e compasso? Não, não pode. Foi o que provou o matemático britânico Peter M. Neumann em 1997, num artigo chamado Reflexões sobre a reflexão num espelho esférico. Ao comentar este resultado, o autor revelou um notável sentido de humor ao declarar: «É um problema de Matemática pura e, lastimo dizê-lo, não tem qualquer aplicação prática tal como, por exemplo, na criação de novos tipos de lâmpadas e muito menos na determinação de quantas pessoas são necessárias para trocar uma.»


Publicado/editado: 21/04/2016