Se e Só Se por José Carlos Pereira

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião maio de 2016

               


Nesta coluna pretendo partilhar todos os meses a minha opinião sobre questões relacionadas com a Matemática e com o seu ensino. Os leitores são convidados a comentar, com argumentos a favor ou contra, aliás é esse o objectivo desta coluna: discutir diferentes pontos de vista sobre o tema do artigo (dia 3 de cada mês).


José Carlos da Silva Pereira – Professor de Matemática, autor de livros escolares e responsável pelo site Recursos para Matemática. Ler artigos anteriores aqui.



Se e Só Se por José Carlos Pereira - Um segundo Balanço

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião maio de 2016

 

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Título: 
  
Um Segundo Balanço


Em Janeiro deste ano escrevi um artigo sob o título “Um Primeiro Balanço”. Nele expus os resultados de uma questão que coloquei aos membros do grupo do Facebook “Recursos para Matemática” sobre a forma como estava a correr a aplicação do novo Programa de Matemática A do Ensino Secundário (PMES).


A questão foi a seguinte:

“Quantos tempos lectivos de atraso tem em relação à planificação inicial?”


Os resultados que obtive, e que podem ser consultados aqui, foram os que esperava: os atrasos verificados em relação à planificação inicial eram já bastante significativos. No final do segundo período coloquei novamente esta questão aos membros do grupo, para tentar perceber a evolução destes atrasos durante o segundo período. Desta vez dei sete alternativas de resposta: [-5,0[ ; [0,5[ ; [5,10[ ; [10,15[ ; [15,20[ ; [20,25[  e  [25,30[. No entanto, acabei por eliminar as hipóteses [-5,0[  e  [25,30[  visto não terem obtido respostas. 


Desta vez responderam 109 professores e os resultados podem ser consultados na tabela seguinte:




Assim como no primeiro balanço, não tenho a pretensão de fazer uma análise estatística exaustiva destes resultados, uma vez que a amostra é limitada, contendo apenas professores de Matemática membros do referido grupo. As comparações também são difíceis de fazer: não sei se quem respondeu à questão na primeira vez que a coloquei, também respondeu desta segunda vez. Todavia, o número de elementos do grupo tem-se mantido estável sendo portanto razoável admitir que muitos dos membros responderam à questão das duas vezes. Partindo deste pressuposto, vou fazer algumas observações e considerações sobre estes segundos resultados, tendo em linha de conta os primeiros. 


Destaco, em primeiro lugar, o facto de o número de professores que respondeu ter entre zero e cinco tempos lectivos de atraso ser praticamente o mesmo nas duas vezes. Quem conseguiu estar a par da planificação inicial até ao final do primeiro período, terá mais naturalmente conseguido o mesmo durante o segundo período. A partir daqui é possível notar algumas diferenças. 


A primeira, pouco perceptível é a média, que passou de 12 tempos lectivos no final do primeiro período para 16 no final do segundo. É um aumento significativo que diz alguma coisa sobre as dificuldades que se estão a sentir na aplicação do novo PMES. A razão para assim ter acontecido talvez tenha sido o tal efeito “Bola de Neve” que referi no artigo de Janeiro. 


Outra diferença é na classe modal, que deixou de ser [10,15[, com 55 respostas, e passou a ser [20,25[, também com 55 respostas. Ou seja, neste momento, cerca de metade dos professores que responderam, têm entre vinte e vinte e cinco tempos lectivos em atraso. Isto representa, grosso modo, um mês de atraso! A classe [20,25[ que na questão colocada no final do primeiro período representava 4,71% das respostas passou a representar cerca de dez vezes mais no segundo. Tendo em conta que o número de professores que escolheram as classes [10,15[ e [15,20[ baixou consideravelmente, considero ser seguro afirmar que muitos dos professores que tinham entre dez e quinze e entre quinze e vinte tempos lectivos de atraso, passaram a ter de atraso entre vinte e vinte e cinco. Mais uma vez é o efeito “Bola de Neve” a fazer-se sentir, não excluindo as crescentes dificuldades que os alunos sentem com conteúdos cada vez mais complexos. Leccioná-los de forma correcta exige tempo. 


Apesar de tudo, a percentagem de professores que tinham no final do segundo período pelo menos dez tempos lectivos de atraso até baixou, passou de 81,18% para 76,15%, tendo, no entanto, aumentado em valor absoluto, passou de 69 para 83. Também não houve nenhum professor a responder que tinha mais de vinte e cinco tempos lectivos de atraso. São duas constatações positivas!


Fazendo um exercício semelhante ao que fiz no artigo de Janeiro, é razoável supor que cada um destes professores tem em média duas turmas (e que o atraso em cada uma delas é similar) e que cada turma tem em média vinte e seis alunos. Isto representa um conjunto de 4316 alunos com pelo menos dez tempos lectivos de atraso, onde cerca de dois terços deles tem de atraso entre vinte e vinte e cinco tempos lectivos! É muito assustador pensar que este cenário se possa estar a reflectir a nível nacional! Infelizmente, por todos os relatos que me têm chegado, é isso mesmo que estará a acontecer. No último ProfMat, no final de Março, pude confirmar exactamente o que escrevi. Mais que os atrasos, tomei pulso às dificuldades, frustrações e dilemas que os professores estão a enfrentar com a aplicação deste programa.  


O maior dilema de todos continua a ser o mesmo: tentar cumprir o programa, avançando o mais rapidamente possível, o que implica muito pouco tempo para trabalhar cada um dos conteúdos; ou avançar mais pausadamente, trabalhando os vários conteúdos de modo que todos possam ter hipóteses de sucesso, e não apenas os melhores alunos. Em relação à segunda opção, já escrevi:


“(…) implica atrasos em relação à planificação inicial, atrasos que se vão acumulando à medida que o tempo passa, criando um efeito do tipo “Bola de Neve”. Naturalmente grande parte dos professores opta pela segunda hipótese – ensinar não é debitar conteúdos a alta velocidade, que os alunos não podem acompanhar!” 

Nesta altura já é claro que a maioria dos professores ficará muito longe de conseguir cumprir o programa. 


E os resultados dos alunos? Mesmo com os todos os esforços honestos dos professores envolvidos os resultados continuam a não ser, na sua grande maioria, os melhores. 


É imperativo fazer alguma coisa! O quê?


São as escolas, através dos seus departamentos de Matemática, que deverão fazer chegar ao Ministério da Educação ou às associações de professores, veículos privilegiados para transmissão de informação ao ministério, um relato fiel do que se está a passar. São os professores que estão no terreno que melhor conhecem e podem avaliar a situação. 


A minha opinião, que é conhecida de todos, passa por parar imediatamente a aplicação do novo PMES e voltar ao antigo. Deverão fornecer-se às escolas todas as orientações necessárias para que neste ano lectivo se possa completar a leccionação do 10.º ano, de forma que haja continuidade pedagógica para se poder leccionar o 11.º ano com o programa antigo. Ainda há tempo para se tomar esta decisão, que me parece ser a mais sensata.


Mas não basta parar e voltar ao programa antigo. É necessário formar uma equipa, com representantes de todas as associações ligadas à Matemática e ao Ensino da Matemática, para que se construa um currículo consensual, exequível e que possa perdurar no tempo. Se assim não acontecer pode sempre optar-se por reformular alguns conteúdos, ajustar outros e eliminar alguns. Concordo que será sempre melhor do que deixar tudo como está, mas não será a decisão ideal. Em todo o caso é necessário que uma decisão seja tomada o mais rapidamente possível, qualquer que ela seja. Deixar tudo como está é que não pode ser! E é justo que os alunos que estão a frequentar o 10.º ano saibam com o que contar nos próximos anos e com o que contar no Exame Nacional que irão fazer e sobre o qual ainda não há, incompreensivelmente, nenhuma informação!
 
Para finalizar, deixo o link para o artigo de Fevereiro, também sobre este tema.


Convido todos os professores de Matemática que estão a leccionar 10.º ano a deixar um comentário com as suas preocupações na página do Facebook do Clube SPM.


Publicado/editado: 03/05/2016