Jorge Buescu - Entrevistado clube spm de setembro de 2016...

Clube Matemática da SPM - Clube Entrevista
Jorge Buescu - Entrevistado clube spm de setembro de 2016... 

Clube Matemática da SPM - Clube Entrevista

 

Clube de Matemática SPM

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O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Jorge Buescu, é o convidado do clube spm do mês de setembro do ano 2016. Com demonstrações simples, numa viagem por pequenos mundos entre a infância, a SPM, a FCUL, os livros e, claro, a matemática.

Sem mistérios, aqui fica uma conversa que revela, sem bilhete a identidade do nosso entrevistado…




Em poucos “cálculos”, como foi a sua infância?
Moldada pela pessoa mais extraordinária que conheci: a minha Mãe. Foi marcada acima de tudo pela curiosidade intelectual e pela liberdade em prosseguir os meus sonhos. E, simultaneamente, temperada por valores como a honestidade, o respeito pelos outros, a importância do trabalho e o valor do mérito. 

Em criança questionava-se a ver as gotas a cair duma torneira. Chegou a encontrar o conjunto solução desse fascínio?
Não. Mas muito mais tarde, o seu fascínio atingiu-me de uma forma completamente inesperada. De facto, mostrou-se no início dos anos 80 que o fenómeno das gotas a cair de uma torneira integra o paradigma de um modelo de transição para o Caos. Ou seja, a dinâmica dos pingos de uma torneira não pode descrever-se de forma simples, tendo de se recorrer a sofisticados métodos de Sistemas Dinâmicos. Num momento de encruzilhada profissional, em Dezembro de 1986, li um artigo de divulgação na Scientific American sobre o Caos no gotejar de torneiras. Foi nesse momento que decidi especializar-me em Sistemas Dinâmicos. 

Buescu é um nome raro como um bom problema matemático. A raiz do nome vem...
… da Roménia, por via do meu Pai, que infelizmente mal cheguei a conhecer. 

A sua paixão pela matemática tem origem em que referencial?
Seguramente não no familiar: toda a minha família está ligada à vida académica, mas em áreas das Humanidades. Acho que o determinante foi mesmo a curiosidade apaixonada de que falava Einstein: a vontade de fazer perguntas sem fazer ideia onde as respostas podiam conduzir, ou mesmo se existiria resposta. E a liberdade de poder fazê-las. 

Lecciona na FCUL. O que ensina em concreto?
Tudo o que é necessário em cada momento. Já leccionei disciplinas propedêuticas, disciplinas de todos os anos de Licenciatura, disciplinas de Mestrado e de Doutoramento. As áreas científicas a que me dedico estão ligadas sobretudo à Álgebra e à Análise, com excursões tangenciais por outros domínios.

O Jorge Buescu é Presidente da SPM. É um cargo de...
… enorme responsabilidade! A SPM é, desde a sua constituição em 1940, uma referência na definição de questões ligadas a três áreas de intervenção: Educação, Investigação e Divulgação. Está já em fase de concretização a intervenção numa quarta área emergente e de importância cada vez maior: a Indústria. A SPM tem desde 2016 uma secção, a PT-MATHS-IN, integrada numa rede europeia de Matemática para a indústria, a EU-MATHS-IN. Ser escolhido pela comunidade científica para liderar uma sociedade com este espectro de acção é uma grande honra – mas a responsabilidade é-lhe, no mínimo, proporcional.

Qual é importância da “SPM – Sociedade Portuguesa de Matemática” em Portugal?
Somos um fórum único para a Matemática em Portugal. Na Educação, somos voz activa na discussão e aperfeiçoamento dos curricula escolares (veja-se o meu artigo Identidade deste mês), na certificação de manuais, na auditoria dos exames nacionais. Participamos nos grupos de trabalho ministeriais e temos assento no CC do IAVE. As nossas Escolas de Verão bienais (a próxima será em 2017) aproximam a comunidade científica da académica. Organizamos as Olimpíadas de Matemática e somos responsáveis pela participação portuguesa nas várias Olimpíadas internacionais. Em termos de investigação, somos a principal voz de Portugal a nível internacional: publicamos a única revista portuguesa de Matemática (Portugaliae Mathematica), indexada no ISI; somos membros fundadores da European Mathematical Society, participando em várias comissões internacionais (ICMI, ICIAM, EU-MATHS-In), e temos co-organizado grandes congressos internacionais de Matemática (por exemplo, o do Porto em 2015). O nosso Encontro Nacional é um ponto de encontro único para a comunidade científica: o último, em Julho de 2016, teve cerca de 300 participantes. Finalmente, em termos de divulgação, temos inúmeras actividades em todo o País, desde as Tardes de Matemática ao Campeonato Nacional de Jogos Matemáticos, para além de termos publicações únicas: o Boletim e a Gazeta de Matemática. Estamos também directamente envolvidos na produção do já famoso programa de TV Isto é Matemática, com o Rogério Martins. Sinais de uma vitalidade impressionante, se pensarmos que a SPM não chega a ter um milhar de sócios activos. 



Matemáticos como Cédric Villani, entre outros, vieram recentemente a Portugal. Que soluções nos deixaram?
De facto, nos últimos anos visitaram-nos grandes matemáticos: Medalhas Fields como Cédric Villani (duas vezes!), cujo livro Teorema Vivo eu ajudei a traduzir; como Edward Frenkel, de Berkeley; e como Hung-Hsi Wu, matemático que é um dos maiores especialistas mundiais no ensino da matemática elementar. Villani e Frenkel trouxeram-nos ideias refrescantes sobre a Matemática de hoje; Wu trouxe-nos uma perspectiva extraordinária sobre o ensino da Matemática. Foi um privilégio, para mim, conviver pessoalmente com todos eles.

“O Mistério do Bilhete de Identidade” tem como detective a matemática porque...
… porque existia um mito urbano em torno do algarismo suplementar (“o número de pessoas com o mesmo nome!”), quando afinal o que lá está é simplesmente um algoritmo de detecção de erros – ironicamente, ele próprio errado! Mas essa questão foi quase totalmente ultrapassada com a introdução do Cartão de Cidadão.

No seu livro “Casamentos e Outros Desencontros” a matemática pode ajudar-nos a encontrar a mulher dos nossos sonhos. Como se encontra esta figura?
Sobre o eixo imaginário. 


O matemático Nuno Crato referiu que “estuda-se com gosto quando se tem gosto. E tem-se gosto quando se conhece”. Para conhecer a matemática é necessário...
Adquirir esse gosto. Eu sei, parece um círculo vicioso, e num certo sentido é. É um pouco como a música clássica ou a grande literatura: ninguém nasce a gostar de Wagner ou de Joyce. Mas o gosto educa-se, o estudo abre portas à compreensão, e por vezes ouvimos a mesma peça ou lemos a mesma obra com uma distância de anos e descobrimos coisas maravilhosas que sempre lá estiveram – mas nós não estávamos em condições de dar por isso… como o Álvaro de Campos diz sobre o binómio de Newton. Mas atenção: educar o gosto exige sempre esforço. Aprender a ler os clássicos, ou aprender música, ou aprender Matemática – nada disto é fácil. Mas compensa: abre-nos novas janelas sobre o Mundo e permite-nos apreciar paisagens de beleza insuspeitada, invisíveis para quem não estudou.

O melhor matemático da história da ciência e o problema mais interessante são...
Há duas formas complementares de criar Matemática: a dos theory builders e a dos problem solvers (na verdade a situação é mais complexa, porque há um pouco de ambos em todos os matemáticos). No primeiro conjunto elegeria Gauss, no segundo Euler. Não me obrigue a escolher entre ambos! O problema mais importante é sem dúvida a Hipótese de Riemann. Além do seu interesse intrínseco para a distribuição dos primos, há literalmente centenas de resultados matemáticos que dela dependem. Há imensos artigos que colocam como hipótese: “Assumindo que a Hipótese de Riemann é verdadeira, mostramos que…”. Demonstrar a Hipótese de Riemann acarretaria automaticamente a demonstração de centenas de teoremas, um pouco como naquelas construções com dominós encadeados.
 
Qual o ramo da matemática mais desafiante?
É impossível responder. Isso é um pouco como perguntar a um compositor qual é o estilo de música mais desafiante: Mozart ou Beethoven? Wagner ou Schoenberg? Em última análise é uma questão subjectiva, de preferência estética. Aquilo que posso afirmar sem sombra de dúvida é que o mundo seria muito mais pobre se algum deles – compositores ou ramos da matemática – não existisse. É a diversidade que faz a riqueza.

O matemático Alfred Rényi disse um dia que “quando estou infeliz trabalho em matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho em matemática para me manter feliz”.  O que o faz feliz?
Na Matemática, é sem dúvida aquele momento em que sei que conquistei mais um espírito transmitindo-lhe a súbita compreensão da austera mas brilhante beleza que a nossa ciência possui.


Por Carlos Marinho


Publicado/editado: 01/09/2016