Linhas e Pontos por Carlos Marinho




 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática. 

   

Carlos Marinho -  Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática



Título: A Mão da Princesa


A Matemática é a alma mater de todas as ciências. A sua importância tem sido fundamental no desenvolvimento do planeta. No entanto, a sua invisibilidade em todos os instrumentos que são construídos é uma realidade, torna-a aos olhos do grande público, como algo que é utilizado, que está presente mas não se percebe bem o que faz, que não se vê. Lá diz o ditado, longe da vista longe do coração.


Ontem visitei o Parque Biológico de Vila Nova de Gaia, um espaço fantástico com uma qualidade ambiental absolutamente ímpar. Por momentos nos esquecemos que estamos num espaço no coração da cidade.


O oxigénio puro que ao longo de quase 3 quilómetros respirámos neste espaço deu origem a este artigo. E porquê? O ar (oxigénio) é fundamental na vida do Planeta, para todos os seres vivos, onde nos incluímos. Mas não se vê. Não se apalpa. Não tem sabor. Não tem cheiro (???). Mas todos sabemos que tem uma importância vital nas nossas vidas. Diria que é como a matemática, faço aqui uma ressalva, que pretendo apenas comparar o ar (oxigénio) e a matemática ao nível da sua invisibilidade aos olhos de alguns humanos.


Perguntam então, onde é que a matemática pode fazer a diferença nas nossas vidas. O matemático Adrián Paenza no seu livro “Matemática…estás aí?” refere que cada vez que é convidado para fazer uma palestra sobre matemática para um público não matemático começa sempre da mesma forma. Pede licença para ler um texto de Pablo Amster que o usou num curso de matemática leccionado a um grupo de estudantes de Belas Artes. O título é: “A mão da Princesa”


Uma conhecida série checa de desenhos animados conta, em sucessivos episódios, a história de uma princesa cuja mão é disputada por um grande número de pretendentes.


Estes têm de convencê-la: diferentes episódios mostram as tentativas de solução a que cada um deles recorre, das mais variadas e imaginativas maneiras.

Utilizando diferentes recursos, alguns mais simples e outros verdadeiramente magníficos, vão-se seguindo um a um os pretendentes, mas nenhum consegue comover, nem um bocadinho a princesa.


Recordo, por exemplo, um deles a mostrar uma chuva de luzes e estrelas; outro a realizar um voo majestoso e a preencher o espaço com os seus movimentos. Nada. No final de cada capítulo aparece o rosto da princesa, que nunca deixa entrever qualquer expressão.


O episódio que conclui a série proporciona-nos o final impensável: em contraste com as maravilhas propostas pelos seus antecessores, o último dos pretendentes tira da sua capa, com humildade, um par de óculos, que entrega à princesa para que experimente: esta coloca-os, sorri e oferece-lhe a sua mão.


Para lá das possíveis interpretações que esta história pode nos fazer pensar, o que o último pretendente fazer é olhar para o problema com outra abordagem. Muitas vezes a matemática dá-nos uma perspectiva mais rápida e simples de procurar a solução de um problema por mais complexo que ele possa parecer.


Esta era a mensagem que gostaria de deixar: muitas vezes existem aspectos na nossa vida que apesar da sua invisibilidade são fundamentais para o nosso modus vivendi, como acontece com o ar (oxigénio) que respirámos ou com a matemática que usamos todos os dias da nossa vida.


Tal como a beleza da natureza do Parque Biológico de V. N. Gaia, na matemática também existe beleza. Acompanhando o pensamento do poeta Fernando Pessoa que um dia disse que “o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Nilo; O que há é pouca gente para dar por isso”.




Publicado/editado: 10/04/2011