(U)Ma Temática Elementar por José C. Santos

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião outubro de 2016

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                                           

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP                                  


Dia 21 de cada mês

                 


(U)Ma Temática Elementar por José Carlos Santos - Demonstrações

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião outubro de 2016

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Título: Demonstrações


Em Matemática, os resultados não se aceitam; demonstram-se. Mesmo na Matemática mais elementar, a par de muitos resultados que são intuitivos (por exemplo: cada diagonal de um paralelograma divide-o em dois triângulos com a mesma área) e onde, portanto, é razoável que não se sinta a necessidade de os demonstrar, há enunciados que não devem ser simplesmente aceites só porque foram ensinados por um professor que, supostamente, é perito no assunto.


Mas, infelizmente, as demonstrações assustam. Muitas vezes pensa-se que o importante nas demosntrações é estarem redigidas segundo certos padrões ou terem uma data de símbolos matemáticos quando o que interessa é que de facto justifiquem aquilo que se quer que justifiquem. Vejamos um exemplo: se se partir de um número, o elevarmos ao cubo e depois subtrairmos daí o número de que se partiu, o resultado é sempre um múltiplo de 3. Porquê? Se chamarmos n ao número, então o que se está a afirmar é que n3n é múltiplo de 3. E isto é verdade porque 


n3n = n×(n2 – 1) = n×(n – 1)×(n + 1) = (n – 1)×n×(n + 1).


Como se trata do produto de três números consecutivos, um deles tem que ser múltiplo de 3 e o resultado está provado. E isto é uma demonstração simples e inteiramente correcta… que possivelmente seria rejeitada por muita gente por, por exemplo, ter uma cadeia de igualdades ou alguma outra observação formal e irrelevante do mesmo género.


Vejamos outro exemplo: provar que, para cada número n, se tem


 1 + 2 + … + n = n×(n + 1)/2.


Afirmar que dois números são iguais é o mesmo que afirmar que os seus dobros são iguais. O dobro do membro da direita desta igualdade é n×(n + 1), claro. E qual é o dobro do membro da esquerda? É a soma de 


1 + 2 + … + n


consigo próprio, ou seja, com 


n + (n – 1) + … + 1.


Temos aqui a soma de duas somas com n parcelas cada. A soma das duas primeiras parcelas de cada soma dá n + 1. A soma das duas segundas parcelas também dá n + 1 e assim por diante. Assim sendo, a soma total dá n×(n + 1). E temos assim novamente uma demonstração inteiramente correcta.


Ainda outro exemplo: provar que a soma dos n primeiros números ímpares é n2. Posto de uma maneira mais formal, quer-se provar que 


1 + 3 + 5 + … + (2n – 1) = n2.


Uma maneira de provar isto consiste em observar que estes dois números são iguais se e só se ao somarmos n a ambos os membros da igualdade obtemos novamente uma igualdade. Se somarmos n ao membro da direita, obtemos n2 + n. E se somarmos n ao membro da esquerda? Como n é a soma de 1 consigo próprio n vezes, somar n ao membro da esquerda é o mesmo que somar n uns, obtendo-se


2 + 4 + 6 + … + 2n,


ou seja, obtemos o dobro de 1 + 2 + 3 + … + n. Pelo que já vimos, este dobro dá, n×(n + 1), ou seja, dá precisamente n2 + n, como queríamos obter.


Sim, por vezes as demonstrações podem ser complicadas. E isso é um bom motivo para não as complicarmos ainda mais com regras formais e desprovidas de sentido. 


Uma demonstração é uma explicação e não um ritual sem sentido.


Publicado/editado: 21/10/2016