Identidade por Jorge Buescu

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião julho de 2017

 



1 é a identidade multiplicativa. 

E também o dia de o Presidente da SPM partilhar o seu ponto de vista.                                                          

Jorge Buescu - Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática        


Identidade por Jorge Buescu - Matemática: a revolução tranquila - e as suas ameaças

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião julho de 2017

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Título: Matemática: a revolução tranquila – e as suas ameaças


Os progressos no ensino da Matemática em Portugal na última década e meia foram notáveis. Praticamente todos os indicadores quantitativos disponíveis atestam esta evolução. Por exemplo, as taxas de retenção têm diminuído consistentemente, atingindo no ano lectivo de 2014/15 (último disponível) mínimos históricos. Entre 2011/12 e 2014/15 as retenções baixaram nos anos de final de ciclo, de 4,6% para 2,2% no 4º ano de escolaridade; de 12,7% para 8,6% no 6º ano e de 16,7% para 10,6% no 9º ano. Este é um progresso absolutamente notável, que deve continuar, e de que toda a comunidade educativa se deve orgulhar. 


Estes progressos não se realizaram à custa de comprometer a exigência. Pelo contrário, aquilo que os estudos internacionais PISA e TIMSS mostram é exactamente o oposto: esta evolução fez-se aumentando a qualidade do sistema educativo e os respectivos resultados. Os resultados do PISA revelam que, entre 2000 e 2015, o desempenho dos estudantes portugueses de 15 anos cresceu sustentadamente, de 454 para 497 pontos – um progresso histórico, que coloca Portugal pela primeira vez acima do nível médio da OCDE. No estudo TIMSS, relativo a alunos do 4º ano de escolaridade, Portugal passou de um nível medíocre em 1995 (442 pontos) para um nível bom em 2015 (541 pontos). O maior progresso na história do TIMSS, que nos coloca muito acima da média dos países participantes, e à frente da grande maioria dos nossos parceiros europeus – em particular da sempre citada Finlândia. 


Estes resultados são extraordinários. Embora pouco divulgados ou valorizados internamente, fizeram já de Portugal um caso de estudo na comunidade internacional. Devemos ter orgulho neles, pelo menos tanto quanto o que temos em conquistas futebolísticas ou musicais.


Este grande sucesso tem sido construído de forma gradual e consistente ao longo dos últimos 15 anos. Assim, as razões para ele devem ser procuradas nas políticas educativas seguidas neste período. E não é difícil encontrar um fio condutor. De uma forma ou de outra, sucessivos governos desde o início do século XXI foram consequentes em aumentar a exigência no ensino, o rigor na avaliação e a transparência do sistema. Três pilares foram essenciais.


Em primeiro lugar, os exames nacionais. Em 2000 o único exame existente era o de 12º ano, que servia como hoje para acesso ao ensino superior. Em consequência, não existiam quaisquer pontos de controlo ao longo do percurso escolar, e as assimetrias e bolsas de fragilidade do sistema não eram sequer detectadas, o que conduzia à desarticulação interna do sistema. Foi por acção sucessiva de David Justino, Carmo Seabra e Maria de Lurdes Rodrigues que foi instituído em 2005 o exame nacional de 9º ano, e pela de Nuno Crato que em 2012-13 foram criadas as provas de 4º e 6º anos. 


Em segundo lugar, os documentos curriculares. A Matemática é uma ciência estruturada e cumulativa; os programas em vigor no início deste século eram, deste ponto de vista, deficientes. A entrada em vigor, a partir de 2012, de novas Metas e Programas para o Básico e Secundário, mais modernos e com conteúdos mais bem estruturados, constituiu um importante progresso pedagógico, visível quer na diminuição das retenções quer nas melhorias das classificações internas e de exames.


Em terceiro lugar, a certificação de manuais escolares. Até 2007 não havia qualquer procedimento para validação científica de manuais: em consequência, vigorava uma versão selvagem da lei de mercado. Os nossos jovens estudavam por manuais crivados de erros científicos. Maria de Lurdes Rodrigues impôs a obtenção de um selo de qualidade (certificação por uma entidade cientificamente idónea, como a SPM) como exigência para publicação. 


Disse Andreas Schleicher, director do PISA, quando esteve em Portugal em Fevereiro, que evoluir de um nível “adequado” para “bom” é mais difícil do que evoluir de “medíocre” para “adequado”. É este agora o nosso desafio. Mas melhorar significa aprofundar este percurso de exigência, e não repousar complacentemente à sombra dos resultados obtidos – ou, ainda pior, voltar para trás.


Neste sentido as evoluções recentes são muito preocupantes. Eliminados, por razões puramente ideológicas, os exames de 4º e 6º anos, torna-se impossível prosseguir a monitorização do sistema educativo. Por outro lado, anunciam-se hoje, sob o nome de “Aprendizagens Essenciais”, experimentalismos curriculares de contornos mal definidos, cujo debate tem sido realizado com uma superficialidade chocante, e que podem conduzir a “emagrecimentos curriculares” de 25% dos conteúdos. Uma tal anorexia curricular será uma grande ameaça ao percurso de sucesso da Matemática em Portugal. 


Artigo publicado no Observador a 08/06/2017. Ver aqui.


Publicado/editado: 01/07/2017