Episódio I por Carlos Marinho - Dia 1
Numa aldeia longínqua e bela de Trás-os-Montes, a dona Maria apanha lenha na serra e algumas pinhas para um cesto de vime. O inverno vai ser rigoroso e nada melhor que juntar alguma madeira no fim do verão para o aquecimento nos dias de maior frio. Com o cesto cheio, pôs o pés ao caminho, em direção a casa, torneando as grandes árvores da floresta. Volvidos alguns instantes, sentiu uns barulhos esquisitos mesmo atrás de si. Pareciam passos. Olhou para trás e num tom de voz forte disse: - Quem está aí? Quem vem lá?
Não houve resposta. Os barulhos esquisitos tinham desaparecido. Com algum receio acelerou o passo em direção a casa. Os passos regressaram. O sentimento de medo apoderou-se de Maria. Mas quem seria? - pensava ela.
Nisto, estava à porta de casa. Respirou fundo. Mas, a curiosidade apoderou-se dela. Já em terreno seguro, no seu quintal, olhou energicamente e corajosamente para o outro lado da rua e deu um grito. Estava do outro lado da estrada um animal parecido com um cão. Mas não era um cão, era uma raposa…
Episódio II por Gonçalo F. Gouveia - Dia 6
A Dona Maria sorriu para si própria – Que tonta! É só um pilha-galinhas… Remoendo o embaraço de tão inútil sobressalto a viúva recente remexeu os bolsos em busca da chave de casa. Extraiu-a do bolso e ensaiava uma pontaria difícil à fechadura quando, pelo canto do olho bom – que era o esquerdo, porque o olho direito consumiram-no décadas de vigilância épica ao falecido, que era danado para fisgar rabos-de-saia, o demónio, que Deus o tenha, pelo canto do olho apercebeu-se que a raposa se tinha aproximado do portão.
– Olha o descaramento! Vociferou, entre a indignação e a inquietação que aquela persistência lhe causou. Apanhou do chão uma pedra, mas no momento de a projetar olhou com a madeixa branca em forma de crescente na testa do animal. Um choque medonho apoderou-se dela – Não pode ser… é a mancha do falecido! – balbuciou. Aproximou-se mais e escrutinou as patas traseiras do canídeo: lá estava, para além de qualquer dúvida, a perna direita mais curta do ‘seu’ defunto Antunes.
– Ai Jesus – exclamou – Antunes, que fazes tu dentro desse bicho?
Episódio III por José Carlos Pereira - Dia 11
Não obteve resposta! Num tom assustado e gaguejando perguntou:
− Mas, mas o que fazes tu aqui?
Agora sim, o Antunes respondeu-lhe:
− Vim ver-te, tinha saudades tuas e do nosso Pedro!
A Dona Maria estava incrédula. Não entendia como era possível estar a ver e a falar com o seu defunto marido. Seria uma visão? Estaria a sonhar? Olhava em seu redor para ver se detectava algum sinal de que tudo aquilo não passaria de um sonho, mas nada! Não havia nada que lhe indicasse que o que se estava a passar não era a mais pura das realidades. “Como é possível?!” – pensou ela! Entraram, abraçaram-se e disse-lhe que sentia muito a sua falta.
Em seguida falou-lhe do Pedro:
− Sabes, também tenho muitas saudades dele. Desde que foi para a América fazer o Doutoramento que nunca mais o vi. Falo com ele uma vez por semana. Ele tenta explicar-me em que consiste o seu trabalho, mas eu não entendo. Aliás, eu não entendo como é que aquilo é Matemática!
De repente ouve-se um barulho, a imagem do Antunes parece ser cada vez mais difusa e distante. A Dona Maria acorda sobressaltada e percebe que tudo não passou de um sonho, infelizmente. O barulho é o de alguém a bater à porta.
Episódio IV por José Carlos Santos - Dia 16
Seria mesmo alguém a bater à porta? Depois daquilo da raposa, a Dona Maria já não sabia se podia acreditar nos seus próprios sentidos. Mas acabou por se convencer de que estavam mesmo a bater à porta. Foi ver quem era e, para seu grande espanto, era o Pedro!
O que era natural era que o abraçasse, mas ficou em tal estado de choque com a supresa que ficou apenas parada a olhar para ele. E isso não resultou apenas da surpresa. Naturalmente, receava que fosse outro sonho. Ou uma continuação do anterior.
O Pedro, esse, abraçou-a.
— Mãe, há quanto tempo. — disse ele. E tratou de lhe explicar que tinha podido vir a Portugal por uns dias graças a uma promoção de uma companhia aérea.
— Aqui, pelo que vejo, continua tudo na mesma — continuou o Pedro. — Só há uma coisa que me espantou. A mãezinha quer saber que, quando estava mesmo a chegar aqui a casa. vi uma raposa lá fora? É estranho, não é?
Episódio V por José Veiga de Faria - Dia 21
A Ti Maria, com a mão na anca dorida das artroses, esbugalhou os olhos num misto de perplexidade e de medo.
- Uma raposa!?... Outra vez tu!... delirou.
- Filho, já ontem a vi por aqui. Assalta os galinheiros e come as galinhas da vizinhança.
E dizia para consigo mesma: - Como tu grande bandido que me tiraste anos de vida… e eu que estava vidrada em ti…
- Sabes, mas até parece vir a bem, se calhar tem algum problema, observou o Pedro. Oh! Mãezinha, se for assim podíamos trazê-la para casa e tentar ajudá-la.
- O quê? Trazê-la para casa? quase gritou a Ti Maria em pânico enquanto falava com o defunto já meio enlouquecida:
- Oh Antunes! será que te passou pela cabeça reunir de novo a família pondo o raio de uma raposa à cabeceira da mesa?
- E tentar domesticá-la de forma a que se torne um membro da Família e uma companhia para ti quando eu regressar aos States, rematou o Pedro parecendo feliz com a ideia.
Maria começou a sentir uns calores, que passaram a suores frios, ao mesmo tempo que ia perdendo o controle.
- Mãe! o que se passa? acudiu o Pedro aflito enquanto tentava ampará-la.
Episódio VI por Sílvio Gama - Dia 26
Inesperadamente, o Pedro viu o rosto da sua mãe a estreitar-se ao mesmo tempo que os dentes entre os incisivos e os pré-molares lhe saiam boca fora. Seguiu-se o escurecimento da ponta do nariz em simultâneo com o aparição de uma dúzia de pelos de bigode. A Ti Maria acabara de metamorfosear-se numa velha raposa para regalo do Antunes.
As duas raposas partiram ao encontro de uma nova vida.
Pedro ainda ouviu a mãe a cantarolar:
“O amor é assim
Pelo menos pra mim
Deixa-me do avesso
Levanto, tropeço e volto pra ti”
- Maria, vem daí.... Conheço ali uma capoeira que te vai deixar maluca.
FIM