Linhas e Pontos por Carlos Marinho




 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática. 

   

Carlos Marinho -  Coordenador do Clube da Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática



Título: Avaliação  a quanto obrigas


O tema deste mês no Clube SPM é a matemática. Mas até esta disciplina que tem a fama e o proveito de ser rigorosa e precisa, encerra na sua essência muitos problemas. A vantagem é que os tenta resolver. É uma perseguição indómita e infinita. Mas nem sempre esse desiderato é conseguido. Tal como o problema do caixeiro-viajante que até à data não tem solução.


Como descreveu o matemático e meu amigo António Machiavelo da FCUP no Clube SPM em Janeiro de 2011 refere que “este problema  consiste em arranjar um algoritmo eficiente que, dado um certo número de cidades, algumas ligadas por estrada  e outras possivelmente não, calcular como deve um caixeiro-viajante fazer para visitar todas essas cidades, pelo menos uma vez, de forma a minimizar os seus custos de transporte" (contínua a explicação no fim deste artigo)*


Este problema sem solução do caixeiro-viajante faz-me lembrar o processo de avaliação dos professores. São tantas as variáveis e as diferenças que temo que o problema supracitado fique desmoralizado em relação a este. A rapidez com que se encontrou um modelo para avaliar professores com mudanças tão opostas (quem melhor pode avaliar os professores que os alunos e os encarregados de educação) que parecem que contradiz Marinús de Lima “o tempo gasto no planeamento é tempo ganho nas fases finais em que se apuram e se expõem resultados”.


Sendo eu um matemático tentei problematizar o problema da avaliação dos professores num ponto “pequenininho” apenas, senão havia pano para mangas. Senão vejamos, como é que em matemática explicamos o seguinte: Problema – Avaliar professores no biénio 2009/2011 (ou seja, se quisermos ser mais explícitos de 1 de Setembro de 2009 a 31 de Agosto de 2011). Porque razão o timing do processo de avaliação dos professores do ensino básico e secundário tem de estar dentro do período que se está avaliar. Está confuso, não? Também eu fiquei confuso. O período de avaliação vai até 31 de Agosto, mas a avaliação tem de ser entregue até 31 de Agosto. Não dá para perceber, pois não?


Recordo o episódio verídico da nave Apollo 13, passado a filme pelo realizador Ron Horward em 1995, interpretado por Tom Hanks que narra a saga de três astronautas norte-americanos,  que a meio a uma missão à Lua, sofrem uma explosão na nave, transformando o resto da viagem numa corrida contra o tempo. Sob o risco de ficarem sem oxigénio, energia e comunicação, entre tantos outros desafios, eles precisam de lutar pelas suas vidas, contando com a ajuda dos engenheiros da NASA. Então quando desciam em direcção à Terra, de repente começam a ter problemas. A nave deixou de funcionar. Simplesmente parou. Quem não se lembra das frase "Houston we have a problem". 


Da NASA perguntam:

-  “Quem está a comandar a nave”.


Preocupado mas nunca perdendo o sentido de humor, o comandante responde:

- “Mr. Isaac Newton”.


Agora apelo à vossa imaginação: em plena descida para a Terra com os problemas inerentes a todo trabalho de aterrar a nave em segurança pediam aos elementos que compunham a equipa o seguinte:


- “Faltam alguns minutos para a aterragem, eu sei que estão cheios de trabalho, nomeadamente para aterrar em segurança, mas…queremos já uma avaliação desta viagem”.


A resposta não se faz esperar:


- Mas, não podem esperar que façamos esta inusitada aterragem, possamos gozar uns dias de férias depois de todo este trabalho e, com seriedade e calma façamos a avaliação desta viagem atribulada?


O matemático Bento Jesus Caraça tinha uma frase lapidar sobre a ponderação e preparação nas investigações quando defendia que as  “hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições”.


Este é um problema em aberto que certamente vai ser resolvido numa próxima avaliação de professores, dando o tempo necessário e suficiente para a entrega do processo de avaliação. Bento Jesus Caraça tinha uma frase que gosto muito e, quando tento resolver problemas penso nela “derrotas só existem aquelas que se aceitam”.



* (continuação da explicação de A. Machiavelo) Ou seja, calcular o percurso mais económico. Este é um problema com imensas aplicações, pois pode ser facilmente adaptado a muitas situações, contribuindo para aumentar os lucros de muitas empresas de transportes e companhias aéreas, por exemplo, sendo ainda fundamental, por mais curioso que isso possa parecer à primeira vista, na descodificação de genomas. Neste caso, graças ao enorme poder humano de abstracção, as "cidades" passam a ser segmentos de ADN, enquanto as "distâncias" passam a ser probabilidades de dois dados segmentos serem contíguos. E é através de algoritmos que resolvem o problema do caixeiro-viajante que se monta o enorme puzzle que leva da leitura química de pequenos segmentos de ADN à leitura do código contido na hélice dupla que contém toda a informação de uma espécie. Em resumo: um melhor algoritmo para resolver o "problema do caixeiro-viajante" dá lucros de milhões a muitas empresas. E, como é natural, todas gostariam de ter acesso a um algoritmo melhor do que aquele que as outras têm”.



Publicado/editado: 10/09/2011