(U)Ma Temática Elementar por José C. Santos

Eixos de Opinião junho de 2014

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                   

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP          


Dia 21 de cada mês

                 


Artigo José Carlos Santos em (U)Ma Temática Elementar

Artigo de julho de 2014

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Título: Bases

A nossa numeração é em base 10. O que é que isso quer dizer? Considere-se, por exemplo, o número 2014. Este número é 2×103 + 0×102 + 1×10 + 4. De facto, qualquer número natural pode ser escrito desta maneira. Mais precisamente, qualquer número natural pode ser expresso como soma de produtos de números de 0 a 9 por potências distintas de 10 (aqui, está-se a encarar 1 como uma potência de 10, pois 1 = 100). E, além disso, para cada número só há uma única maneira de o escrever desta forma. Isto dá-nos então uma maneira de representar todos os números naturais.

Mas não há nada de especial com o número 10. O mesmo poderia ser feito com qualquer outro número b > 1. Tome-se, por exemplo, b = 4. Acontece que 2014 = 1×45 + 3×44 + 3×43 + 1×42 + 3×4 + 2 e que esta é a única maneira de exprimir 2014 como soma de produtos de números de 0 a 3 por potências de 4. Assim sendo, 2014 representa-se, na base 4, por 133132.

Não só os números naturais podem ser representados em qualquer base, como as operações aritméticas podem ser feitas em qualquer base. Tomem-se, por exemplo, os números que, em base 5, se representam por 14 e por 23. Qual é a sua soma? Poder-se-ia pensar que era preciso convertê-los para base 10 (são 9 e 13, respectivamente), somá-los (dá 22) e converter o resultado novamente para base 5 (o que dá 42). Mas é muito mais eficiente e natural fazer o mesmo em base 5, pelo mesmo processo que se usa em base 10. Começa-se por somar 4 com 3, o que dá 7, ou seja, dá 12 (em base 5). Portanto, 4 e 3 dá 2 e vai 1. Em seguida, este 1 é somado a 1 (o 1 de 14) e a 2 (o 2 de 23), dando 4. E fica-se assim com a resposta, que é 42, como foi visto.

Estamos tão habituados à base 10 que até poderia parecer que sempre foi a única base usada por toda a humanidade deste que apareceu a notação posicional, mas isso não é verdade. Os babilónios usavam a base 60 (e é por isso que até hoje as horas têm 60 minutos, que os minutos têm 60 segundos e que os graus com que se medem os ângulos se dividem do mesmo modo) e os maias em base 20.

Quando foram criados os primeiros computadores, ficou claro que os cálculos internos deveriam ser efectuados em binário, ou seja, em base 2. Isto porque cada número se representa em binário como uma sequência de zeros e uns, o que pode ficar registado na memória interna do computador como uma sequência de interruptores com duas posições possíveis (ligado/desligado). Além disso, efectuar operações aritméticas em binário é muito mais simples do que em base 10. Veja-se novamente o exemplo do parágrafo anterior. Para fazer adições (respectivamente multiplicações) em base 5, basta saber como adicionar (respectivamente multiplicar) todos os pares de números em que cada pode ir de 0 a 4. Analogamente, para fazer adições e multiplicações em base 2, basta saber como adicionar e multiplicar todos os pares de números em que cada pode ir de 0 a 1. Nada mais fácil, não é verdade? É claro que o preço a pagar é que a representação binária de um número é geralmente bastante mais longa do que a decimal. Por exemplo, a representação decimal de 2014 é 11111011110.

Mais geralmente, quanto maior for a base, mais operações se tem saber de cor para efectuar operações aritméticas mas, em contrapartida, as representações dos números são mais curtas.

Também se podem usar bases maiores do que 10, mas aqui há um problema. É necessário usar símbolos para os novos algarismos que vão surgir. Isto porque se, por exemplo, se quiser trabalhar em base 12, tem que haver um símbolo para representar o 10 e outro para o 11. Se estes símbolos forem A e B respectivamente, então, em base 12, 2014 representa-se por 11BA, visto que 2014 = 1×123 + 1×122 + 11×12 + 10. Os informáticos teóricos trabalham frequentemente em hexadecimal (base 16). Neste caso, são necessários símbolos para representar os algarismos 10, 11, 12, 13, 14 e 15. Se estes símbolos forem A, B, C, D, E e F respectivamente, então a representação hexadecimal de 2014 é 7DE.

Um factor a entrar em conta ao escolher-se uma base é o número de divisores da base: para cálculos com números fraccionários, uma base com mais divisores é preferível a uma com menos. Por exemplo, 10 tem quatro divisores (1, 2, 5 e 10) e os seus vizinhos mais próximos (9 e 11) têm menos (três e dois divisores respectivamente). Mas 12 tem seis divisores (1, 2, 3, 4, 6 e 12) e este é um dos motivos pelos quais existem duas organizações, a Dozenal Society of America e a Dozenal Society of Great Britain, que advogam o uso da base 12.





Publicado/editado: 22/07/2014