|
José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP Dia 21 de cada mês
|
O título deste texto é um enunciado bem conhecido. Vão-se ver aqui várias maneiras de o demonstrar. Todas estas maneiras têm um ponto em comum: são por redução ao absurdo, ou seja, vai-se começar por supor que a raiz quadrada de 2, que vai aqui ser representada por r, é racional e depois chegar a uma contradição.
A primeira demonstração é a mais conhecida. Por vezes vê-se escrito que é da autoria de Aristóteles. De facto, tudo o que este autor escreve sobre o assunto é que r é irracional pois, caso contrário, haveria um número que seria simultaneamente par e ímpar. Provavelmente, a demonstração que ele tinha em mente é próxima da seguinte: se r = p/q, com p e q naturais, pode-se sempre supor que p e q não são ambos pares, pois se o forem, podem-se ir dividindo p e q por 2 até não serem ambos pares. Por exemplo, 48/28 = 24/14 = 12/7. Vamos então supor que p e q não são ambos pares. Sendo assim, 2 = r2 = p2/q2 e, portanto, p2 = 2q2. Logo, p2 é par e, como os quadrados dos ímpares são ímpares, p é par. Por outras palavras, p = 2s, para algum natural s. Mas como p2 = 2q2, tem-se (2s)2 = 2q2, ou seja, 2s2 = q2. Então, pelo mesmo argumento, q é par. Só que estamos a supor que p e q não são ambos pares. Chegou-se então a uma contradição, que resultou de se supor que r é racional. Logo, r é irracional.
Outra maneira de se chegar a uma contradição parte de observação de que 0 < r – 1 < 1, pelo que a sucessão das potências de r – 1 converge para 0. Por outro lado, aplicando o binómio de Newton a (r – 1)n, vê-se que este número é uma soma de produtos de inteiros por potências de r. Mas, se m for um número natural, r2m = 2m e r2m – 1 = r2m – 2×r = 2m – 1×r. Logo, (r – 1)n é da forma a + br, onde a e b são inteiros. Portanto, se r = p/q, com p e q naturais, (r – 1)n é o quociente de um número natural por q (o numerador é natural, pois (r – 1)n é maior do que 0). Mas os números desta forma são todos maiores ou iguais a 1/q, o que está em contradição com a sucessão das potências de r – 1 convergir para 0.
Vejamos agora como demonstrar geometricamente que r é irracional. É natural introduzir Geometria aqui pois, pelo teorema de Pitágoras, o comprimento da diagonal de um quadrado é igual ao comprimento do lado multiplicado por r. Aliás, na passagem de Aristóteles acima mencionada, a raiz quadrada de 2 é descrita como sendo o número pelo qual se multiplica o comprimento do lado de um quadrado a fim de obter o comprimento da diagonal.
Caso r fosse racional poder-se-iam considerar os números naturais mais pequenos, p e q, tais que r = p/q. Considere-se um quadrado cujo lado tem q unidades de comprimento e dobrêmo-lo ao meio ao longo de uma diagonal. Ficamos então com o triângulo rectângulo isósceles mais pequeno (com lados inteiros, naturalmente) tal que o quociente da hipotenusa por um dos catetos (ou seja, p/q) é igual a r. Imaginemos este triângulo rectângulo como sendo feito de papel. Então aplicamos-lhe uma segunda dobragem, como na figura abaixo.
O triângulo original é o triângulo ABC. Agora considere-se o triângulo BDE. É claro que também se trata de um triângulo rectângulo isósceles. Os catetos têm comprimento p – q e, recorrendo-se ao facto de os dois triângulos serem semelhantes ou então aplicando o teorema de Pitágoras ao triêngulo BDE, deduz-se que a hipotenusa deste triângulo tem comprimento 2q – p. Mas então temos um novo triângulo rectângulo isósceles de lados inteiros mas mais pequenos do que os lados do triângulo ABC, o qual já era o triângulo rectângulo isósceles mais pequeno com lados inteiros! Sendo assim, chegou-se a uma contradição, de onde resulta novamente que r é irracional.
Para terminar, vejamos ainda mais uma demonstração geométrica de que r é irracional. Tal como na demonstração anterior, supõe-se que é racional e consideram-se os menores naturais p e q tais que r = p/q, ou seja, tais que p2 = 2q2. Considera-se também, como na figura abaixo, um quadrado cujo lado tem p unidades de comprimento e, encostados a cantos opostos deste quadrado, dois quadrados cujos lados têm q unidades de comprimento.
Visto que p2 = 2q2, a área do quadrado grande é igual à soma das áreas dos quadrados pequenos. Mas então, como a zona cinzenta escura da figura é a região na qual os quadrados pequenos se sobrepõem e as zonas brancas são as zonas que não fazem parte de qualquer quadrado pequeno, a área do quadrado cinzento escuro é igual à soma das áreas dos dois quadrados brancos. Além disso, vê-se facilmente que os lados dos quadrados brancos têm p – q unidades de comprimentos, enquando que os lados do quadrado cinzento escuro tem 2q – p unidades de comprimento. Mais uma vez chega-se a uma contradição, pois os quadrados de lados p e q eram supostamente os quadrados mais pequenos (com lados inteiros) com essa propriedade.