100 Problemas com José Paulo Viana

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião outubro de 2015




 

Ah, os problemas!                                  
Lembram-se do prazer que é encontrar um problema, daqueles que nos desafiam logo que o lemos, e depois avançar na resolução até conseguir descobrir a resposta?                                  
Recordam-se da alegria que é descobrir a forma elegante e simples que alguém encontrou para resolver um problema que julgámos impossível ou que tanto trabalho nos deu?                                  
E, finalmente, concordam que entusiasma discutir com outras pessoas a maneira de chegar à solução de um problema que nos intriga?                                  
Pois é por estes três motivos que esta secção existe.

   

José Paulo Viana - Professor de Matemática na Escola Secundária de Vergílio Ferreira, autor da seção "Desafios" aos domingos no jornal Público


100 Problemas com José Paulo Viana - Um Número ao Acaso

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião outubro de 2015                                            

Clube de Matemática SPM


Título: Um número ao acaso



Escolhemos ao acaso um número inteiro não negativo.
Qual é a probabilidade de ele ter pelo menos um algarismo 7?

Este problema, de enunciado tão curto e fácil de perceber, traz surpresas e levanta algumas questões interessantes.


Como a contagem dos números que têm um sete não é imediata, podemos começar por partes e “por baixo”, a ver o que acontece.


Inferiores a 10, só um tem o algarismo sete (é o 7), logo a probabilidade é P1 = 1/10.


Até 100 (exclusive), há a dezena dos setenta, mais um por cada uma das outras dezenas, num total de 10 + 9x1 = 19. A probabilidade é P2 = 19/100.


Até 1000 (exclusive), a contagem começa a complicar-se. Há 100 na casa dos setecentos, mais 19 em cada uma das restantes centenas. O total de números onde aparece um sete é 100+9x19 = 271.  A probabilidade é P3 = 271/1000.


Há aqui um padrão reconhecível, que se obtém por recorrência. Se chamarmos Tn ao total de números com sete até 10n, será 

  

Tn+1= 10n + 9 x Tn

Mas, embora se pudesse continuar a avançar por aqui, é melhor mudar de processo.


Em vez de contarmos os números que têm sete, contemos antes os que não têm. É muito mais fácil e, sobretudo, direto.


Vejamos, para se perceber bem, a contagem até 10 000 (exclusive) dos que não têm setes. Temos de considerar então todos os números com quatro algarismos (colocando zeros à esquerda para completar os inferiores a mil – por exemplo, 0646 ou 0009).


Estes números são do tipo XXXX, em que cada X não pode ser 7. Há assim nove possibilidades para cada X, ou seja, 9x9x9x9 = 94 = 6561 casos. Então:


T4 = 10 000 – 6561 = 104 – 94 (=3439).


A probabilidade é P4 = 3439/10 000.


No caso geral, será:


Tn = 10n – 9n

 
A probabilidade procurada, considerando apenas os números até 10n, fica:



Isto é apenas até 10n. A seguir a eles há uma infinidade mais. Qualquer que seja o n, há uma quantidade finita de números até 10n e uma infinidade depois. Então, temos de considerar o limite de Pn quando n tende para infinito.



Conclusão, a probabilidade de um número inteiro ter pelo menos um sete é 1. Isto pode ser surpreendente porque, se a probabilidade é 1, o acontecimento é certo e nós conhecemos muitos números que não têm setes (há mesmo uma infinidade deles).


Este aparente paradoxo resulta do facto de o nosso conjunto de partida (inteiros não negativos) ser infinito. Nestas circunstâncias, um acontecimento pode ter probabilidade 1 e não se verificar, ou ter probabilidade 0 e haver casos possíveis.


Outra questão, que nunca vi tratada em sítio nenhum e que me deixa um pouco perplexo e com dúvidas, é a seguinte.


Tal como neste problema, há várias situações na matemática em que temos de escolher ao acaso um elemento de um conjunto infinito.


Como será possível fazer isso? Como escolher aleatoriamente um número natural? Não sei, não conheço nenhum método que o permita. Se houver um limite superior, é fácil, mas os naturais crescem indefinidamente. Como fazer?


A questão mantém-se se o conjunto for limitado mas com infinitos elementos. Por exemplo, como escolher um número real entre 0 e 1? Não há maneira! No entanto, há tantos problemas na matemática em que isso é pedido…


Publicado/editado: 17/10/2015