(U)Ma Temática Elementar por José Carlos Santos

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião junho de 2016

 


A Matemática elementar tem muito que se lhe diga. Embora nos seja familiar, é sempre possível encará-la de um ponto de vista novo ou inesperado.                                        

José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP                               


Dia 21 de cada mês

                 


(U)Ma Temática Elementar por José Carlos Santos - Sobre pombos e pombais

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Título: Sobre pombos e pombais

Vamos começar com uma afirmação muito simples referente a pombos e a pombais. Se, num pombal, cada pombo está num ninho e se há mais pombos do que ninhos, então algum ninho tem pelo menos dois pombos.


É muito simples, não é?! A única dúvida que poderá suscitar é esta: o que é que isto tem a ver com Matemática, por mais elementar que esta seja? Como vamos ver tem muito.


O enunciado feito acima relativamente a pombos é geralmente conhecido por «princípio do pombal». Na Alemanha é conhecido por «princípio das gavetas» e a ideia é a mesma (neste caso, pode-se enunciar assim: se vários objectos estão guardados em gavetas e se há mais objectos do que gavetas, então alguma gaveta tem que conter mais do que um objecto). Sob esta forma, o enunciado deve-se a um dos grandes matemáticos do século XIX, Peter Gustav Lejeune Dirichlet.


Vejamos uma consequência muito simples deste princípio. Numa gaveta, há meias verdes e meias azuis. Uma pessoa vai tirando uma meia de cada vez. Quantas meias tem que tirar até ser certo que tirou duas meias da mesma cor? Resposta: três meias. Porque se se tiraram três meias então, como só há duas cores possíveis, duas delas (pelo menos) terão que ser da mesma cor.


E agora passemos a cabelos. Sabia que no Grande Porto há duas pessoas com o mesmo número de cabelos? Sim, é verdade. Como é que sei isso? Porque na zona do Grande Porto há mais de um milhão de pessoas, mas, por outro lado, um ser humano tem, quando muito, 200.000 cabelos. Como 200.000 < 1.000.000, pelo princípio do pombal tem que haver duas pessoas com o mesmo número de cabelos.


Demasiado infantil? Então compliquemos! Dados 6 números, cada um dos quais é um inteiro maior ou igual a 0 e menor do que 10, há sempre dois cuja soma é 9. Isto porque os 10 números podem ser agrupados em 5 pares de modo a que a soma dos dois elementos de cada par seja 9: 0 e 9, 1 e 8, 2 e 7, 3 e 6 e 4 e 5. Como tenho 6 números e há 5 pares, dois dos meus 6 números têm que estar no mesmo par e, portanto, a sua soma é 9.


Agora imagine-se uma reunião social. As pessoas vão chegando e vão-se cumprimentando com um aperto de mão. Não há nenhuma regra quanto a isso: tanto é possível que ninguém aperte a mão a ninguém como é possível que todos apertem a mão uns aos outros. E, naturalmente, há pessoas que tendem a dar muitos apertos de mão, enquanto que outros nem por isso. Pois bem: seja qual for o número das pessoas presentes, há sempre duas que dão o mesmo número de apertos de mão! E porquê? Se houver n pessoas, então o número de apertos de mão que cada pessoa dá pode ir de 0 (não apertar a mão a ninguém) a n – 1 (apertar a mão a toda a gente). Mas não pode haver uma pessoa a dar 0 apertos de mão e, ao mesmo tempo, haver uma pessoa a dar n – 1 apertos de mão, pois se alguém não deu apertos de mão, qualquer outra pessoa presente apertou a mão a, no máximo, n – 2 pessoas, pois não apertou a mão a si próprio nem à pessoa que não apertou a mão a ninguém. Assim sendo, das duas uma: ou há alguém que não apertou a mão a ninguém e, nesse caso, o número de apertos de mão varia de 0 a n – 2, ou não há ninguém que não apertou a mão a mais ninguém e, nesse caso, o número de apertos de mão varia de 1 a n – 1. Em qualquer dos casos, há n pessoas e n – 1 números de apertos de mão, pelo que há duas pessoas que apertaram a mão ao mesmo número de presentes.


Finalmente, um problema de Geometria. Imagine 8 pessoas numa região rectangular com 12 km de comprimento e 7 km de largura. Garanto que duas dessas pessoas estão a não mais do que 5 km uma da outra. Isto porque um rectângulo como aquele que descrevi pode ser dividido em 7 rectângulos de 4 km por 3 km, dispostos como na figura abaixo. Se são 8 as pessoas e 7 os rectângulos, têm que estar duas pessoas no mesmo rectângulo. E qual é a maior distância entre dois pontos de um tal rectângulo? É o comprimento da diagonal do rectângulo, a qual, pelo teorema de Pitágoras, mede 5 km.



Quem diria que tantos factos (e há muitos outros além destes) podem ser extraídos de um princípio tão básico?


Publicado/editado: 21/06/2016