Linhas e Pontos por Carlos Marinho

Clube de Matemática SPM - Outubro de 2017

 

 

 

Este espaço vai ser dedicado a aspectos simples da vida em contexto real, em que a matemática pode entrar como elemento surpresa. Em síntese, estas "linhas" terão como base "pontos" comuns da nossa vida, em que a objectividade da Matemática pode fazer compreender alguns "problemas" que vão surgindo em contexto real. Como afirmou Pitágoras, "Todas as coisas são números". Nesta rubrica tudo cabe... até a matemática.                                     

   

Carlos Marinho -  Professor de Matemática e Coordenador do Clube SPM                                       


Título: Divisão, a melhor operação!

Divertido, simpático e frontal. Defino o Bispo D. Manuel Martins com estas três palavras. Falei com D. Manuel Martins por causa da matemática por duas vezes, a primeira em dezembro do longínquo ano 2000 e em novembro de 2011. Em 2000 o ex-Bispo de Setúbal deu uma entrevista de índole matemática ao MAT 2000 (jornal escolar de uma escola do grande Porto que eu geria - ver aqui 1ª página). Aqueles miúdos tiveram o privilégio, tal como eu de estar mais de uma hora e meia a ouvi-lo. Da segunda, aceitou de imediato o nosso convite, mesmo sabendo que não era a sua área. Foi o décimo primeiro convidado do clube de Matemática da SPM, numa entrevista em que demonstrou toda a sua generosidade que pode recordar aqui.

Em 2000 nessa longa entrevista das vinte perguntas destaco: “se eu fosse professor de matemática a grande operação que ensinava era a divisão. Dividir aquilo que tivesse pelos que mais precisassem. Somar e dividir pelos outros, não era só somar, somar, somar, para guardar. Somar, para dividir”.  À pergunta, 70x7 respondeu: “Não me perguntes muitas coisas disso que disso, não sei rapaz! 7x7 são 49, logo 70x7 são 490". Em 2011, à pergunta quando mais jovem se gostava de matemática, respondeu “gostava de matemática. Pelo menos não desgostava de matemática.” 

D. Manuel ficou na história como o Bispo que mais voz deu aos desfavorecidos, na defesa de mais qualidade de vida para todos, dos que tinham privações, que passavam fome... Recordo aqui, um episódio de Madre Teresa de Calcutá no discurso em que recebeu o prémio Nobel da paz em 10 de dezembro de 1979 numa das passagens refere que “um dia trouxe da rua uma criança e pude ver no seu rosto que ela estava faminta. Só Deus sabe há quantos dias ela não comia. Dei-lhe um bocado de pão e a pequena começou a comer o pão migalha a migalha. Eu disse, coma! Coma o pão! Ela olhou-me e disse: tenho medo de comer o pão e ficar de novo com fome. Tenho medo quando terminar.

Das duas vezes, foi sempre muito simpático. Não podia de deixar de contar este episódio que me marcou da segunda vez, na sua casa. Falamos de tudo e, na despedida,  trouxe-me à porta de sua casa para se despedir de mim. Quando abri o meu carro para entrar, com aquele ar divertido e frontal disse-me: “tem um bom carro!”. No qual eu respondi “é um carro...”. Ele retorquiu, “não, não, é um bom carro”. Percebi onde ele queria chegar... 

D. Manuel Martins deixou-nos fisicamente recentemente aos 90 anos de idade, na sua terra, em Leça do Balio, em Matosinhos. À questão “é feliz?” disse: “Muito feliz. Tenho tido a graça de me realizar em toda a linha e a minha felicidade só é perturbada quando aquilo que eu prego não é concretizado na vida”. 

D. Manuel Martins, deixou-nos um legado, o da divisão que faz toda a diferença...

Publicado/editado: 10/10/2017