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José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP Dia 21 de cada mês
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Título: O número de Neper onde não o esperamos encontrar
O número de Neper foi o tema do texto publicado neste rubrica há um mês, sendo aí afirmado que este mês veríamos «como e aparece em outros contextos para além daquele que foram aqui mencionados». E este assunto que vamos abordar.
Vejamos um exemplo muito simples de uma ocorrência inesperada do número e. Para cada número natural n, calculemos o mínimo múltiplo comum dos primeiros n números naturais. Os primeiros dez números assim obtidos são 1, 2, 6, 12, 60, 60, 420, 840, 2520 e 2520. Como seria de esperar, esta sucessão é crescente e toma rapidamente valores elevados. O que é que acontece se substituirmos o n-ésimo desta sucessão pela sua n-ésima raiz? O que obtemos então é 1, 1,41421, 1,81712, 1,86121, 2,26793, 1,9786, 2,37001, 2,32025, 2,38745, e 2,18847. Pelos primeiros termos, podemos ver que é uma sucessão aproximadamente crescente mas que não cresce muito rapidamente. Será que converge? Sim: converge para e!
Outro exemplo provém do conceito de desarranjo. Um desarranjo de um conjunto com n elementos dispostos por uma certa ordem é uma maneira de ordenar os elementos do conjunto de maneira a que nenhum deles fique onde estava originalmente. Suponha-se, por exemplo, que o conjunto é formado por A, B e C, por esta ordem. Então há dois desarranjos e apenas dois: B, C e A e C, A e B. Em particular, visto que há seis maneiras possíveis de reordenar o conjunto em questão, 1/3 das reordenações possíveis são desarranjos. Se partirmos de 4 objectos, então há 9 desarranjos em 24 reordenações possíveis, pelo que a proporção de desarranjos de 3/8. Há medida que o número de objectos cresce, para que valor é que tende (se é que tende para algum valor) a proporção de arranjos relativamente ao número total de reordenações? Dado o tópico deste texto, talvez alguém pudesse pensar que a resposta é e, mas não pode ser, visto que e > 1. Acontece que a resposta é 1/e. Uma explicação parcial para isto é a seguinte: se tenho n objectos, então o número total de reordenações é n! e, por outro lado, pode-se provar que o número de desarranjos é
Logo, a proporção de desarranjos é 1 – 1 + 1/2 – 1/3! + 1/4! – 1/5! + … ± 1/n! e o limite desta soma é 1/e.
Ainda outro exemplo tem origem na seguinte experiência mental. Imagine-se alguém que escolhe um número aleatoriamente entro 0 e 1. Em seguida escolhe um segundo número nas mesmas condições e soma-o ao primeiro. Se der um valor maior do que 1, então pára. Caso contrario, recomeça, escolhendo um terceiro número aleatório entre 0 e 1 a somando-o à soma dos dois primeiros. Se der maior do que 1, então pára e assim por diante. Em média, ao fim de quantos passos é que tem que parar? Ao fim de e passos.
Para terminar, vejamos um problema cuja solução envolve, além de e, o número π. Considere-se a soma:
Quanto é que dá? A resposta a esta pergunta foi dada por Ramanujan: é a raiz quadrada de e×π/2.
Um número que surge em contextos tão diferentes como estes sem dúvida que merece ser estudado.