O Sonho Inatingível por Gonçalo F. Gouveia - História 22 - Fim

Matemática - Contos de 3º Grau - História 22

O Sonho Inatingível por Gonçalo F. Gouveia - História 22 (Parte VI) - FIM

Matemática - Contos de 3º Grau - História 22

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Título: Um Sonho Inatingível?


     

                  

Episódio I por José Carlos Pereira - Dia 1

 


Durante anos o Francisco manteve vivo o sonho de ganhar uma Medalha Fieds. Apesar de ser um brilhante matemático, reconhecido pelos seus pares, nunca o seu nome esteve numa qualquer lista de possíveis vencedores de tão prestigiante prémio. 

Em 1993, no ano que completava trinta e oito anos, estava dedicado ao problema mais famoso da Matemática, o Último Teorema de Fermat. Tinha feito bons avanços e estava convencido de que poderia encontrar uma solução antes de atingir os quarenta anos, idade limite para alguém poder receber a medalha. A solução deste problema seria a passadeira vermelha para o Olimpo dos matemáticos. 

Nesse mesmo ano um professor da Universidade de Princeton, Andrew Wiles, anunciou que tinha uma solução para o problema. Foi a desilusão completa. Tanto trabalho que agora de pouco servia. Desistiu. Nem mesmo o anúncio de que a demonstração de Wiles não estava completamente correcta o animou. 

Longos anos se passaram até voltar a sentir entusiasmo. Agora, com mais de sessenta anos, dedica quase todo o seu tempo à Conjectura de Collatz. No seu gabinete acumulam-se papéis rasurados com todo o tipo de deduções e cálculos. O objectivo já não é atingir um qualquer lugar entre os maiores dos maiores. É simplesmente sentir-se apaixonado. 

Num dia chuvoso de Inverno, absorto no seu trabalho reparou num pormenor. Tirou os óculos, limpou-os e voltou a olhar com mais atenção. “Não pode ser! Não posso estar a ver bem!”, pensou ele.       


Episódio II por José Carlos Santos - Dia 6


Na sua tentativa de estudar a Conjectura de Collatz, tinha dedicado algum tempo a ver propriedades, de somas de potências de números naturais. Não extraíra nada de muito significativo no que se refere à conjectura, mas de repente pareceu-lhe… Poderia mesmo ser? Ficou nitidamente com a impressão de que podia usar aquelas ideias para demonstrar o Último Teorema de Fermat.    
É claro que o teorema já estava demonstrado. Mas a demonstração de Andrew Wiles era acessível a somente um número muito reduzido de matemáticos, enquanto que a dele, se estivesse certa, era elementar. Com algum esforço, podia ser compreendida por milhares ou mesmo por dezenas de milhar de pessoas. Mas era preciso ter cuidado. Tentativas erradas de criar demonstrações elementares do Último Teorema de Fermat não faltavam e o Francisco não queria fazer uma figura ridícula.    
O primeiro passo era, naturalmente, rever os cálculos que tinham conduzido à tal fórmula relativa a somas de potências. Onde é que ele os teria guardado? Bem os procurou na secretária, mas não conseguia dar com eles. Parou para pensar e recordou-se de ter feito isso num bloco-notas tamanho A5. Mas onde é que o teria deixado?  
De repente, ficou lívido. Lembrou-se de que tinha dado instruções à sua empregada para deitar fora um monte de papéis que achava que já não serviam para nada.


Episódio III por José Veiga de Faria - Dia 11


Steven Smith calçou uns sapatos muito velhos, pôs a gabardine de trinta anos, a barba postiça, enfiou o chapéu de abas largas do seu bisavô, abriu a porta da rua e saiu para a noite escura. O coração batia forte, a parada era alta.

O seu colega português de gabinete em Yale tinha-lhe contado as circunstâncias em que tinha perdido os resultados que lhe iam permitir simplificar, e muito, a demonstração de Andrew Wiles, e confiado o desespero que sentia. 

Ora um desses resultados, a ser verdadeiro, implicava que eram verdadeiros um conjunto de teoremas que o deixavam a milímetros da prova do Teorema de Steven Smith, da Medalha com que sempre sonhara e, acima de tudo, da imortalidade.

Estava uma noite fria e chovia desalmadamente, mas Steven era determinado, não olhava nem à correção dos meios que empregava nem às dificuldades e, vendo bem, a intempérie até vinha a calhar.

Caminhou durante vinte minutos até que viu o desejado caixote do lixo: os olhos brilharam. Aproximou-se primeiro dos caixotes à volta e chafurdou neles metendo isto e aquilo no saco que levava consigo.

Finalmente chegou ao que lhe interessava. Abriu a tampa e… ficou sem respiração…


Episódio IV por Sílvio Gama - Dia 16


O fedor nauseabundo que brotou daquele contentor de lixo era descomunal. Na tentativa rápida para proteger as narinas com as próprias mãos, apanhou com a tampa do caixote na cabeça. A sua firmeza desatravancada deu-lhe o sopro de energia que toda aquela desordem imprevista reclamava.   
Enchendo os pulmões de ar fresco e sustendo a respiração, Steven abriu de novo a tampa, mergulhou a cabeça dentro do caixote, quando foi surpreendido por um vozeirão que rasgou a noite. (A tampa caiu-lhe outra vez na cabeça.)  
- Menino Steven... Ai menino Steve... louvada Virgem Santíssima e a todos aqueles que já lá estão..., mas que faz a estas horas um professor de Yale mascarado a chafurdar no lixo?  
Era a octogenária Dona Bernardete que dava o habitual passeio noturno com o cão. Vizinha de Steven há longa data e conhecida coscuvilheira local, sabia tudo sobre tudo e todos, inclusive quantas vezes cada vizinho mudava de calças e camisa por semana.


Episódio V por Carlos Marinho - Dia 21


Steven iniciou uma conjectura para explicar à jornal de noticias do sitio que estava ali por engano. Nisto chega o Francisco, a seguir o gato malhado do vizinho do 3º esquerdo, depois os bombeiros e, ainda o carro do lixo. Mais parecia, a segunda circular em hora de ponta.  
- Que estás aqui a fazer? Perguntou o Francisco. 
- Bem... estava aqui á procura do teu rascunho! Referiu o aflito Steven. 
O Francisco retorquiu: - Sabes que o dei á minha empregada... Petreska para deitar fora...  
Nisto, Steven tem um ataque de tosse que o deixou mais vermelho que a mancha de ketchup que tinha na testa. - Pe...Pet...Petre... quê?  
- Sim, Petreska! 
- Não po......de, ela é a diretora do departamento de matemática da universidade de Moscovo... 
- O quê? Disse o atónito Francisco. 


Episódio VI por Gonçalo F. Gouveia - Dia 26


Debruçado da improvisada cátedra de detritos, Steven suspirou profundamente, inclinou-se para Francisco na postura ostensiva de quem se presta a instruir um idiota e explicou no seu português impecável, de curso avançado com resultados garantidos. – Quando nos enviaste a fotografia a trabalhar na praia, no verão, com o bloco de notas aberto nos joelhos, apercebemo-nos todos que estavas a um passo da solução do Teorema de Fermat, ou porque julgas que me dei ao trabalho de aprender esta língua-de-trapos e vir morar para este fim de mundo? Francisco olhava-o fixamente, incrédulo, tentando decidir se estava a sonhar ou a ser vítima de uma partida diabólica, quiçá orquestrada pelo Andrew Wiles, quando desceu a rua a correr o sobrinho alegadamente entrevado da Dona Bernardete – Atropelaram a sua empregada ali em cima, s’tôr Francisco! Correram todos para o local, alguns com intenções humanitárias, e chegaram mesmo a tempo de ver um caderno preto soltar-se da mão inerte da pobre Doutora Petreska e ser sugado, com elegante precisão matemática, para as turbinas do respiradouro do metropolitano, onde, conjetura-se, se desfez num milhão de pedacinhos.


FIM 


Publicado/editado: 27/11/2017