Nesta crónica quero sustentar duas teses:
i) o movimento de agregação de escolas é uma má decisão política – é um erro crasso - que vai trazer graves problemas à organização do ensino e às aprendizagens dos alunos.
ii) Se o erro se consumar, como tudo o indica, então é necessário outro modelo de direção e gestão dos agrupamentos, pois o que existe e se prepara é completamente desajustado.
É um erro Crasso pelas seguintes razões:
a) as lideranças instrucionais e transformacionais (que a literatura reconhece como forças poderosas de mudança educacional) perdem as condições de exercício e tendem a transformar-se em mera gestão burocrática de estruturas;
b) a comunicação intra-agrupamentos era um ponto crítico reconhecido na generalidade das situações o que limitava fortemente a coerência e a coesão na ação; com esta medida a comunicação tende a ser um simulacro; e as articulações verticais e horizontais - outro ponto crítico do sistema - serão definitivamente enterradas;
c) a necessidade de uma missão e de uma visão comuns construída pelo maior número possível de atores, já de si tendencialmente inexistente, mas que toda a investigação reconhece como central na promoção da eficácia organizacional, vai ser completamente erradicada. Muitos anos se vão passar até ser possível restaurar o que agora se perde;
d) os climas de escola - reconhecidamente uma variável central na promoção das aprendizagens dos alunos - são seriamente danificados com este processo caótico e sobredeterminado pela racionalidade contabilística;
e) a monitorização e auto-avaliação dos processos e resultados - um dos maiores pontos críticos identificados pela avaliação externa realizada pela IGE - vão ser ainda mais fragilizadas, perdendo, por muito tempo, a esperança de colocar a auto-avaliação ao serviço da melhoria das organizações educativas;
f) o trabalho colaborativo, designadamente em sede de departamentos, tão necessário para enfrentar os complexos desafios educativos, tende a ser impossível com as mega-estruturas entretanto fundidas;
h) as relações entre os membros da organização - fator chave de sucesso - são seriamente afetadas criando-se um ethos destrutivo e nefasto;
i) a concentração e a hierarquização do poder - ao invés do pretendido - são fatores de perda, de ameaça ao necessário empowerment , de reforço das tendências centrífugas e anárquicas, sendo expectável o cenário da ingovernabilidade destas mega-organizações;
j) as ligações escola-família - outro fator crítico - nada ganham com esta solução, podendo, pelo contrário, afetar a comunicação com o dirigente máximo;
l) a co-existência de culturas profissionais em conflito de visões e perceções pode transformar a escola numa arena política ainda mais destrutiva.
É certo que esta "solução" pode poupar alguns milhões de euros (em qualquer caso, está longe de estar demonstrado o ganho significativo). Mas os prejuízos educativos e pedagógicos são incalculáveis. Custa-me viver num país que tão levianamente afeta e prejudica centenas de milhares de portugueses.
Se o erro se consumar, então, é absolutamente necessário mudar a matriz de governo dos Agrupamentos para minorar a calamidade visível nos argumentos enunciados.
Essa matriz, de que faço apenas um esboço, deveria assentar nas seguintes linhas orientadoras:
a) A orientação e regulação política da educação municipal (ou supra-municipal nos casos que justificarem) deveria ser atribuída aos conselhos municipais da educação;
b) Orientação estratégica do agrupamento deveria ser atribuída a um conselho geral com competências similares às que existem, constituído por representantes de alunos (no secundário), pais, professores e representantes da comunidade. A autarquia deveria ser retirada deste órgão já que passaria a liderar os conselhos municipais de educação.
c) A direção do agrupamento seria assegurado por um conselho de direção (integrando os diretores dos agrupamentos e/ou escolas agregadas).
d) A direção pedagógica dos agrupamentos/escolas pré-agregadas deveriam manter o seu conselho pedagógico próprio e autónomo, preservando-se as identidades e dinâmicas de intervenção.
e) Na mesma linha de reflexão, os departamentos dessas unidades manter-se-iam para poderem assegurar a articulação vertical e horizontal.
Provavelmente, as decisões já estão tomadas. Mas numa democracia cidadã é nosso dever pensar e participar. É nosso direito intervir e reclamar a soberania inalienável. E exigir um pouco de lucidez quando está risco a vida educativa de muitos milhares de alunos.