Entre Parênteses () com António Machiavelo

Clube de Matemática da spm


        

        

O que é a Matemática? Para que serve? Como é a Matemática usada no dia-a-dia? Que vantagens traz para a sociedade? E para o indivíduo, que vantagens há em saber Matemática? Estas são algumas das questões que serão abordadas nesta rubrica, onde se abrirão pequenos parênteses para oferecer temas para reflexão e perspectivas talvez ligeiramente diferentes das usuais sobre a Matemática e a sua importância.       

 

António Machiavelo - Departamento de Matemática da FCUP

 



Artigo de janeiro de 2013                           

Clube de Matemática SPM


Título: Variações sobre um tema de Simone Weil


Gostava de compartilhar com quem lê esta rubrica algumas ideias contidas num belíssimo texto de Simone Weil --- o famoso matemático André Weil era seu irmão --- que li recentemente. O texto está escrito numa linguagem teísta, num contexto com o qual não me identifico, mas que, para mim, não é mais do que uma maneira simbólica de traduzir pensamentos e sentimentos que não são talvez fáceis de exprimir de um outro modo. Assim, o que se segue não é, de maneira alguma, uma tradução fiel de partes do texto de Simone Weil, mas sim uma paráfrase pessoal, em que algumas passagens foram reinterpretadas de modo a transmitir aquilo que eu leio nas suas palavras. Quem quiser ler o texto original, que contém muitas mais ideias que aquelas que abaixo tento expressar, e que recomendo vivamente, poderá fazê-lo aqui (onde está disponibilizada a obra "Attente de Dieu" de Simone Weil; o texto em causa é o "Exposé" intitulado  "Réflexions sur le Bon Usage des Études Scolaires en Vue de l'Amour de Dieu").
 
Aqui ficam então alguns parágrafos que formam um pequeno conjunto de variações sobre o texto de Simone Weil, contendo algumas das suas ideias e nos quais, espero, reste ainda alguma da sua poesia.
 
 
Os estudantes nunca deveriam dizer: «Eu gosto é de Matemática», ou «Eu gosto é de Português», ou «Eu gosto é de História», ou «Eu gosto é de Biologia». Deveriam aprender a gostar de tudo, pois todas as disciplinas fazem crescer a capacidade de atenção que, orientada em direcção à Verdade, é a própria essência do bem-estar.
 
Não ter nem um dom nem um gosto natural para a matemática não impede que a tentativa de resolver um exercício, ou o estudo de uma demonstração, contribuam para desenvolver a atenção. É quase o contrário; é quase uma circunstância favorável. Pouco importa que se consiga resolver o exercício ou perceber integralmente a demonstração, desde que o esforço dessa tentativa seja genuíno. Nunca um verdadeiro esforço é inútil, trazendo sempre alguns benefícios para a inteligência e ajudando a desenvolver a mente.
 
Se se procurar com uma verdadeira atenção a solução de um problema de matemática, e se ao fim de uma hora não se fez absolutamente nenhum avanço, foram, no entanto, feitos progressos durante cada minuto dessa hora, numa outra dimensão um pouco mais misteriosa. Sem que se sinta, sem que nos apercebamos, esse esforço aparentemente estéril e infrutífero colocou um pouco mais de luz no mais profundo do nosso ser. O fruto encontrá-lo-emos um dia mais tarde. E será encontrado, sem dúvida, num acréscimo de inteligência e de sensibilidade, talvez mesmo em domínios que nada tém a ver com a matemática. Talvez um dia aquele que fez esse esforço, aparentemente ineficaz, seja capaz de perceber, em toda a sua profundidade e mais directamente, por causa desse empenho, a beleza de um verso de Fernando Pessoa.
 
Mas, acima de tudo, tal esforço, desde que honesto e sincero, contribui para melhorar a capacidade de focar a atenção. E a plenitude do amor pelo próximo é saber olhar atentamente, esvaziando a mente das nossas ideias pessoais, para receber o ser que se olha. E disso só é capaz aquele que sabe dar a devida atenção. Assim, é verdade, por mais paradoxal que possa parecer, que um exercício de latim ou um problema de matemática, mesmo um que não se conseguiu fazer, desde que tenha sido trabalhado do modo apropriado, nos pode tornar mais capazes, um dia em que a ocasião se apresente, de aliviar a infelicidade de alguém, simplesmente porque contribuíu para essa aprendizagem importantíssima de saber dar atenção.