Entrevista a Fernando Pestana da Costa - Presidente da SPM

Clube de Matemática da spm - Clube Entrevista

O convidado de janeiro de 2015 do clube spm é o Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática Fernando Pestana da Costa. Uma entrevista com demonstrações simples e completas sobre diversos intervalos da sua vida, que vão desde a infância, até à universidade aberta, aos filhos, spm e clube, pela leitura e o jazz e, claro, a matemática. 2015 não é um número primo, mas será um ano composto para a matemática. Aqui ficam os cálculos feitos pelo clube spm na conversa com Fernando Pestana da Costa...

O que nos pode contar da sua infância?
Basicamente foi uma infância despreocupada. Vivi nos arredores de Lisboa, na Amadora, com os meus pais e irmã. Relembrando a esta distância, acho que, para a altura (nasci em 1962) e para o meio socio-económico dos meus pais (o meu pai era tipógrafo e a minha mãe modista), até foi uma infância bastante boa, embora não desafogada. Lembro-me de que o que mais gostava de fazer sozinho era desenhar e ler, e com a minha irmã e os meus amigos, gostava de fazer construções com Legos, brincar na rua e andar de bicicleta.

Com 10 anos de idade, como era o Fernando na sala de aula? 
Com essa idade estava no então 1º ano do Ciclo Preparatório (actual 5º ano) e não me lembro absolutamente nada de como eu era dentro da sala de aula. Lembro-me que gostava da escola e suponho que não fosse muito agitado (nunca tive problemas de comportamento, embora ainda hoje me lembre de duas exceções a esta afirmação: uma repreensão pelo meu professor de Matemática do 9º ano e umas reguadas na 3ª ou 4ªclasse que me deixaram a mão a ferver…). Desse 1º ano do Ciclo recordo perfeitamente apenas duas coisas: que no 1º período tive dificuldades a Matemática (que ultrapassei graças ao trabalho em casa com a minha mãe, que tinha só a 4º classe e não sabia nada do assunto mas comprou uns livros de exercícios que íamos fazendo em conjunto…); a outra coisa de que me lembro nitidamente era a total ausência de condições na escola: a “Escola Preparatória Roque Gameiro” era, na altura (1973), feita por dois grupos de pré-fabricados (um para rapazes e outro para raparigas), separados por uma rua. Os blocos tinham paredes de palha prensada (facilmente furável com a ponta de um guarda-chuva, como todos nós sabíamos por experiência…) e não só não havia refeitório, ginásio, ou biblioteca, como nem sequer existia uma vedação, ou sequer um simples muro, a separar a escola do “exterior”. Eram condições verdadeiramente surreais aquelas em que se vivia e estudava há cerca de 40 anos atrás!

O seu gosto pela matemática começou…
…quando comecei a estudar a sério. Até ao que agora é o 9º ano eu gostava de praticamente todas as disciplinas (exceto de Francês e Trabalhos Manuais…) mas estudava relativamente pouco (pouco mais do que para os testes). Quando cheguei ao que agora é o 10º ano resolvi que tinha de começar a estudar a sério. Foi nessa altura que descobri que a Matemática era um dos meus assuntos favoritos, a par da Físico-Química e da Geometria Descritiva. Depois, ao terminar a licenciatura (em Engenharia Química), inscrevi-me no mestrado em Matemática Aplicada do IST com o objectivo de aprender matemática que fosse suficiente para prosseguir uma carreira de investigação em Química-Física teórica (que era o que mais me atraía nessa altura). Mas ao fim do primeiro ano do mestrado estava rendido: tinha definitivamente apanhado o “gosto” pela Matemática e não mais se colocou a hipótese de abandoná-la por qualquer outro assunto científico (não desfazendo para a Física e a Química, pelas quais continuo a ter muito interesse e curiosidade!)

Tem 4 filhos. Todos gostam de matemática?
Os dois mais velhos gostavam: o mais velho, não sendo fascinado pela Matemática, era razoavelmente capaz quando se aplicava; formou-se em Engenharia. A rapariga era boa a Matemática até ao 12º ano, mas depois não seguiu nada com componente Matemática significativa (fez Relações Internacionais e está agora a estudar Piano na Escola Superior de Música de Lisboa). Os dois mais novos (que são gémeos) só estudaram Matemática até ao 9º ano. Não achavam muita graça ao assunto e acabaram por seguir estudos superiores em Direito onde a Matemática (mas não o raciocínio lógico-dedutivo!) é inexistente.

Lecciona na Universidade Aberta. O que ensina?
Tenho ensinado um pouco de tudo. O que tenho lecionado mais frequentemente nos últimos anos são diversas disciplinas de Análise, Álgebra Linear e uma de Equações Diferenciais em Dinâmica de Populações, mas, para além disso, já tenho ensinado Geometria, Estatística, Processos Estocásticos. Também já tenho lecionado algumas ações de formação para professores do Ensino Básico e Secundário (lembro-me especialmente da primeira vez em que participei numa destas ações: foram umas sessões por vídeo-conferência para Timor-Leste que, para nós em Lisboa, terminavam por volta das 3h00 da manhã!).

Uma das suas áreas preferidas na investigação é a análise matemática de equações diferenciais de coagulação-fragmentação e de sistemas relacionados. Porquê?
Equações Diferenciais porque sim! Foi pelo muito interesse e curiosidade que tinha sobre as equações diferenciais que eu acabei por ficar pela Matemática e não regressei à Química. As de coagulação-fragmentação porque foi nesse assunto que me doutorei e continuo a achá-lo fascinante, com imensas ligações a outras áreas da Matemática, da Física, da Química, da Ciência dos Materiais, etc. Fui lá ter um pouco por acaso: quando cheguei a Edimburgo para o doutoramento ia com a intenção de trabalhar em equações diferenciais de difusão, mas, logo na primeira conversa, o meu orientador pôs-me nas mãos um pre-print sobre as equações de coagulação-fragmentação que ele tinha acabado de escrever e disse-me para ver se eu achava aquilo giro. E achei…

Qual a importância da “SPM – Sociedade Portuguesa de Matemática” para a matemática em Portugal?
A importância da SPM é, essencialmente, aquela que os sócios lhe quiserem imprimir, que a Direção conseguir dinamizar, e que a sociedade portuguesa lhe reconheça. Estes três factores estão, naturalmente, interligados. O trabalho das várias Direções anteriores muito contribuiu para que as posições defendidas pela SPM tenham sido relevantes nas discussões sobre o Ensino da Matemática nos vários níveis de ensino. Do ponto de vista da investigação, os encontros científicos que a SPM patrocina e, principalmente, a revista científica de difusão internacional que publicamos, a Portugaliae Matematica, bem como a biblioteca de revistas de investigação constituída por permutas desta revista com outras congéneres (actualmente alojada e disponível publicamente na biblioteca do Instituto para a Investigação Interdisciplinar da Universidade de Lisboa), constituem óbvias mais-valias importantes da atividade da SPM para a Matemática nacional. No que respeita à divulgação da Matemática, a SPM tem tido uma presença notável e de altíssimo e reconhecido nível: basta lembrar a publicação regular da Gazeta de Matemática e do Boletim da SPM, os 91 episódios do “Isto é Matemática”, o facto de que os dois mais importantes divulgadores de ciência portugueses (Jorge Buescu e Nuno Crato) são, ou foram, dirigentes da SPM, e, naturalmente, o “Clube de Matemática”, para que não seja necessário dizer mais nada sobre a importância da SPM para a divulgação da nossa ciência junto do grande público.

Nuno Crato e Miguel Abreu foram seus antecessores na presidência da SPM. As soluções por eles apresentadas foram...
As soluções devem corresponder aos problemas com que a SPM se depara, e que vão variando com o tempo. O que sinto é que os meus dois antecessores no cargo constituem modelos muito difíceis de igualar: cada um com o seu estilo próprio, deram à SPM uma dinâmica de trabalho e de intervenção pública e uma visibilidade que coloca a tarefa dos seus sucessores numa fasquia verdadeiramente elevada.    

O Clube de Matemática da SPM é...
…um espetacular espaço virtual de partilha, de divulgação, e de troca de ideias e de experiências, cuja existência muito orgulha a SPM! 

A matemática é uma disciplina com alguns problemas para os alunos. Porquê?
A resposta a esta pergunta daria várias teses de doutoramento, e nem assim teríamos certezas… Há características da matemática que contribuem para alguns dos problemas: o facto de, em qualquer nível de ensino, exigir uma disciplina mental e uma abstração superior à exigida por outras disciplinas é certamente um fator a ter em conta, mas creio que a característica mais importante é que as falhas de preparação propagam-se e ampliam-se de um modo muito mais intenso e dramático na matemática do que em outras disciplinas, devido ao seu carácter cumulativo: uma pequenina e aparentemente insignificante lacuna, se não for identificada e colmatada a tempo, pode ter resultados catastróficos sobre o interesse futuro do aluno pela disciplina e, consequentemente, na sua atitude e prestação escolar. 

Porque a vida não é só matemática... o Jazz e a leitura são exercícios para os seus tempos livres. Porque gosta destas áreas?
De livros gosto desde sempre: o meu pai, tendo apenas a 4ª classe, tinha imensa curiosidade pelo mundo que o rodeava e, para mais, era tipógrafo, o que quer dizer que livros eram algo que abundava lá em casa e que eu me habituei a ter como companhia: levo sempre um livro para ler nos transportes públicos entre a casa e a universidade, e reservar um tempinho à noite para a leitura (acompanhada de jazz e de um bom whisky) é um ritual que raramente falho. Já o jazz é uma aquisição mais recente: comecei a ouvir assiduamente quando estava em Edimburgo a fazer o doutoramento, no início dos anos 1990, e é como dizem: quando o bichinho entra já não sai. O que o jazz tem de irresistível (para mim) é a incrível variedade de estilos, a liberdade e inventividade dos músicos, o ritmo e o swing, e o facto de estar sempre a descobrir coisas novas, belíssimas e surpreendentes (um pouco como na Matemática!...).

Louis Armstrong é o melhor de todos os tempos do Jazz?
É um dos gigantes, claro. Mas, para mim, o maior dos maiores foi Miles Davis.  

O matemático Alfred Rényi disse que "quando estou infeliz trabalho matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho matemática para me manter feliz". O que faz para ser feliz?
Não sei se faço algo conscientemente… creio que não. Essencialmente, tento levar as coisas com calma, sem muito stress. Considero que tenho tido imensa sorte: profissionalmente faço aquilo de que gosto, e do ponto vista pessoal e familiar não tem havido problemas de maior. E normalmente não dou grande importância às contrariedades que vão surgindo. Creio que são estas características que fazem com que, no geral, não tenha de fazer nada conscientemente para me sentir feliz. Felizmente!

2015 não é primo. Será que vai ser um ano composto para a matemática?  
Acho que sim, mas não só 2015: todos os anos são compostos para a Matemática, no sentido de que há sempre a descoberta (ou a invenção?) de imensos resultados novos, e de aplicações surpreendentes, cujo produto é mais e mais Matemática!

Publicado/editado: 01/01/2015