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José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP Dia 21 de cada mês
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Imagine o seguinte jogo muito simples:
1. Dois jogadores lançam um dado à vez.
2. Caso saia o mesmo valor, recomeça-se.
3. Se saírem valores distintos, o vencedor é aquele a quem saiu o valor mais elevado.
Simples, não é verdade? E é claro que nenhum dos jogadores está em vantagem em relação ao outro.
No parágrafo anterior não foi dito o que é que havia nas faces dos dados mas, naturalmente, qualquer pessoa ao lê-lo parte do princípio de que as faces têm os valores 1, 2, 3, 4, 5 e 6. De facto, até podiam ter outros valores, mas desde que os dados fossem idênticos nenhum jogador estaria em vantagem sobre o outro.
E se os dados não forem idênticos? Se, por exemplo, um dos dados for normal e o outro tiver o valor 4 em todas as faces? Então o jogador que lançar este último dado estará em vantagem, pois o valor médio obtido pelo outro jogador nos seus lançamentos é de 3,5, que é inferior a 4. Outra maneira de ver as coisas consiste em observar que o jogador que lança o dado normal empata um jogo em cada seis, perde três em cada seis (ou seja, perde metade dos jogos) e só vence dois em cada seis (ou seja, só vence um terço dos jogos).
E o que é que acontece caso as faces de ambos os dados tenham o mesmo valor médio? Será que tanto faz escolher um dado como o outro? Não! Imagine-se, por exemplo que há os seguintes dados:
• Dado A: as faces têm os valores 2, 2, 4, 4, 9 e 9.
• Dado B: as faces têm os valores 1, 1, 6, 6, 8 e 8.
O valor médio das faces é o mesmo em ambos os casos: 3,5, tal como com um dado comum. Mas é melhor jogar com o dado A do que com o dado B. Com efeito:
• Em 1/3 dos casos, quem lançar o dado A obtém 9 e ganha automaticamente.
• Em 2/3 dos casos, quem lançar o dado A obtém 2 ou 4 e ganha em 1/3 desses casos.
Logo, a probabilidade de vitória de quem lançar o dado A é igual a 1/3 + (2/3)×(1/3), ou seja, é igual a 5/9.
Outra maneira de se chegar a este valor consiste em pura e simplesmente tomar a lista de todos os resultados possíveis e ver qual é a proporção dos casos em que o vencedor é quem lança o dado A. Há 36 possibilidades e, dessas 36, 20 dão a vitória a quem lança o dado A. Como 20/36 = 5/9, chega-se à mesma conclusão que anteriormente.
Vamos agora considerar um terceiro dado:
• Dado C: as faces têm os valores 3, 3, 5, 5, 7 e 7.
Que tal é este dado comparado com o dado B? A análise é semelhante à anterior:
• Em 1/3 dos casos, quem lançar o dado B obtém 8 e ganha automaticamente.
• Em 1/3 dos casos, quem lançar o dado B obtém 6 e ganha em 2/3 desses casos.
• No restante 1/3 dos casos, quem lançar o dado B perde.
Logo, a probabilidade de vitória de quem lançar o dado B é de 5/9. Naturalmente, também se pode chegar à resposta através de contagem.
Está então visto que o dado A é melhor que o B e que o dado B é melhor que o C. Logo, o dado A é melhor que o C, certo? Errado! Tal como nos casos anteriores, a probabilidade de vitória de quem possuir o dado C relativamente a quem possuir o dado A é de 5/9.
Isto leva a um jogo engraçado. Toma-se um conjunto de dados com os três atrás descritos e propõe-se a uma pessoa que escolha um deles. Em seguida escolhe-se outro e começa-se a jogar o jogo acima descrito. Naturalmente:
• Se a pessoa a quem foi dado a escolher tiver escolhido o dado A, o outro jogador escolhe o C.
• Se a pessoa a quem foi dado a escolher tiver escolhido o dado B, o outro jogador escolhe o A.
• Se a pessoa a quem foi dado a escolher tiver escolhido o dado C, o outro jogador escolhe o B.
Assim, as probabilidades estão sempre do lado daquele que escolher em segundo lugar.
O jogo que foi descrito no parágrafo anterior já aconteceu realmente e os oponentes foram nem mais nem menos que os dois homens mais ricos dos Estados Unidos da América: Bill Gates e Warren Buffett. Este último desafiou o primeiro para o jogo em questão, mas Bill Gates ficou desconfiado e pediu para examinar os dados. Após o ter feito, disse que preferia que fosse Warren Buffett a escolher primeiro!
Não se deve pensar que este paradoxo está ligado à existência de números repetidos nas faces. Por exemplo, também ocorre com os seguintes dados:
• Dado A: as faces têm os valores 1, 2, 5, 6, 7 e 9.
• Dado B: as faces têm os valores 1, 3, 4, 5, 8 e 9.
• Dado C: as faces têm os valores 2, 3, 4, 6, 7 e 8.
Em conclusão, a resposta à pergunta que forma o título deste texto é: nenhum!