Intervalos por Fernando Pestana da Costa

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião outubro de 2015



 


No ano em que a SPM faz 75 anos, este será um espaço onde a matemática vai ser o tema central todos os dias "uns" de cada mês. Intervalos será o título desta rubrica...                  

   

Fernando Pestana da Costa -  Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática                   



Intervalos por Fernando Pestana da Costa (Presidente da SPM) - Dia 1

Clube de Matemática SPM - Eixos de Opinião outubro de 2015

 

 

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Título: Aos ombros de gigantes, e de pessoas como nós…

Ficou famosa a frase de Isaac Newton “If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants” [Se vi mais longe foi por me ter erguido aos ombros de gigantes]. Newton era, ele próprio, um “gigante” (claro!) e muitos outros “gigantes” subiram aos seus ombros nos séculos subsequentes. Para a grande maioria de nós, que não somos “gigantes”, a possibilidade de subir aos ombros de “gigantes” não é menos relevante do que foi para Newton, embora as consequências que daí tiramos sejam bem mais modestas…


No passado fim de semana assisti a duas comunicações orais de divulgação de Matemática que me relembraram quão importante é subir aos ombros de gigantes, mesmo que por intermédio de pessoas como nós (mas com bons dotes de comunicação…). 


No sábado de manhã, integrado no 3º Encontro Viva a Matemática, o repleto auditório da Universidade Lusíada em Lisboa foi brindado com duas comunicações que, de forma magistral, mostraram como a Geometria Elementar pode ser usada de um modo surpreendente e elegante para nos ajudar a compreender aspectos altamente não triviais do universo. 


Nenhuma matemática mais sofisticada do que o Teorema de Pitágoras foi necessária para que a jovem Joana Teixeira, estudante de Física Teórica no Imperial College, nos explicasse como, da invariância da velocidade da luz, se deduz, em dois esquemas simples e em duas linhas de contas, a equação de Lorentz da dilatação do tempo, parte das equações da teoria da relatividade restrita de Einstein; claro que o assunto não é novo, mas foi exposto de modo tão natural e agradável que creio que todos os presentes, professores e alunos, conseguiram acompanhar a exposição e serem inspirados pela promissora jovem cientista.


A outra apresentação, com o curioso título “De Euclides a Newton: vincando órbitas planetárias numa folha de papel”, proferida pelo professor António Bivar, foi uma luminosa apresentação de parte do argumento do famoso físico Richard Feynman na sua “lição perdida”, publicada postumamente e traduzida em português pela Gradiva (infelizmente a tradução encontra-se atualmente esgotada). Na comunicação começámos por aprender como elipses podem ser (aproximadamente) marcadas numa folha de papel, uma vez escolhidos os focos, por um simples processo de vincagem! Depois, partindo da primeira lei de Newton, da hipótese de que a Terra é sujeita a uma força central (na direção do Sol) e usando resultados absolutamente básicos da Geometria Elementar de triângulos, aprendemos como é possível deduzir a lei das áreas de Kepler. Finalmente, a partir do facto da força depender da distância como 1/R2 e novamente usando apenas métodos da Geometria Elementar, compreendemos como se consegue deduzir a elipticidade das órbitas. Foi o poder avassalador do raciocínio dedutivo em todo o seu esplendor!


Durante esta comunicação veio-me à memória a sensação de estupefação que tive quando, há cerca de cinco anos, li a “lição perdida” de Feynman pela primeira vez e de, nessa altura, ter tido uma das mais vívidas sensações de me ter conseguido erguer nos ombros de um “gigante” para espreitar um pouco mais longe. 


Estou certo de que todos os que, na manhã do passado sábado, aproveitaram a boleia dos “ombros” destes dois notáveis conferencistas e, através deles, espreitaram um pouco mais além, também saíram inspirados pela magnífica paisagem! 


Publicado/editado: 01/10/2015