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José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP Dia 21 de cada mês
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Título: Lúnulas
Os problemas matemáticos são centrais na história da Matemática. Muita Matemática é desenvolvida para resolver, total ou parcialmente, esses problemas. Vamos ver isto no caso de um dos mais famosos problemas de sempre: o problema da quadratura do círculo, ou seja, o problema que consiste em construir, usando somente compasso e régua não graduada, um quadrado com a mesma área que a de um círculo dado.
O problema da quadratura do círculo foi resolvido pelo matemático alemão Ferdinand von Lindemann em 1882. A solução foi negativa, ou seja, ele provou que o problema não tem solução. Mas antes de se saber que o problema não tem solução, vários matemáticos tentaram perceber como é que poderiam resolvê-lo. Vou falar aqui de um deles: Hipócrates de Quios.
O nome Hipócrates é famoso, mas normalmente refere-se ao «pai da Medicina», Hipócrates de Cós. Hipócrates de Quios foi um seu contemporâneo que tentou resolver o problema da quadratura do círculo. Para tal, possivelmente na esperança de que fosse o primeiro passo para o resolver, atacou outro problema: a quadratura de uma lúnula.
As lúnulas não são figuras geométricas muito conhecidas hoje em dia, mas foram estudadas na antiguidade e são fáceis de descrever. Imaginem-se dois círculos cujas circunferências se intersectam em dois pontos. A lúnula é a parte de um dos círculos que não pertence ao outro, como a figura abaixo.
Hipócrates de Quios considerou uma lúnula particular: uma na qual o diâmetro de uma das circunferências é uma corda da outra e onde, mais precisamente, esta última corda tem por extremidades dois pontos que, juntamente com o centro da outra circunferência, formam os vértices de um triângulo rectângulo isósceles, como na figura abaixo.
Hipócrates de Quios conseguiu fazer a quadratura de outras lúnulas, mas nunca alcançou o seu objectivo de fazer a quadratura do círculo. No entanto, a quadratura acima referida é importante para a História da Matemática, pois foi o primeiro caso em que se conseguiu determinar exactamente a área de uma figura não poligonal.
E é este um dos motivos pelo qual os problemas são tão importantes em Matemática. É que, mesmo que não se consiga resolvê-los, o simples facto de se tentar fazê-lo permite criar muito nova Matemática.