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José Carlos Santos - Departamento de Matemática da FCUP Dia 21 de cada mês
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Título: Ternos pitagóricos
O teorema de Pitágoras afirma que, num triângulo rectângulo, a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. Ou seja, se os catetos têm comprimentos a e b e se a hipotenusa tem comprimento c, então a2 + b2 = c2.
Uma questão natural que se pode colocar aqui é a de saber se há casos em que todos os comprimentos podem ser números naturais, relativamente a alguma unidade de medida. A resposta é afirmativa. O exemplo mais pequeno (e também o mais conhecido) de um tal triângulo é um triângulo no qual os catetos tenham 3 e 4 unidades de comprimento e a hipotenusa tem 5. Como se pode constatar facilmente, 32 + 42 = 52.
Três números naturais a, b e c tais que a2 + b2 = c2 formam aquilo a que se chama um terno pitagórico. Uma questão natural aqui é: há outros além daquele que é formado por 3, 4 e 5? Naturalmente que há: basta pegar nestes três números e multiplicá-los todos por um mesmo número. Assim, por exemplo, ao multiplicarmos cada um deles por 6 obtemos 18, 24 e 30 respectivamente e 182 + 242 = 302.
Mas haverá outro exemplo além destes? Sim. Há mesmo muitos. Por exemplo: 5, 12 e 13 ou 8, 15 e 17. De facto, já se conhecem exemplos de tais ternos desde a antiga Babilónia e foram descobertos cerca de um milénio antes do nascimento de Pitágoras. Há uma famosa placa de barro cozido onde se podem encontrar ternos pitagóricos tais como 65, 72 e 97 ou 481, 600 e 769. Não se sabe para que é que foi compilada esta lista de ternos pitagóricos nem como é que foi obtida.
E se quisermos ter mais ternos pitagóricos, como é que os podemos encontrar? Há um método fácil de empregar, que é o seguinte: tomam-se dois números naturais m e n, com m > n, e faz-se:
Com este método temos uma infinidade de ternos pitagóricos de uma só vez.
Há outro método para obter uma infinidade de ternos pitagóricos, que é de origem geométrica. Comecemos por ver que afirmar que a2 + b2 = c2 é o mesmo que afirmar que (a/c)2 + (b/c)2 = 1, ou seja, que (a/c, b/c) é um ponto da circunferência de centro na origem e raio 1; mais precisamente é um ponto dessa circunferência e do primeiro quadrante. Considere-se agora a recta que passa por (–1,0) e cujo declive é um número racional t. Ou seja, considere-se a recta y = t(x + 1). Se 0 < t < 1, então esta recta passa por um ponto do primeiro quadrante que pertence à circunferência de centro na origem e raio 1 (veja-se a figura abaixo). E que ponto é esse? Para descobrir a abcissa desse ponto, basta pegar na relação x2 + y2 = 1 e substituir y por t(x + 1), ficando com a equação (1 + t2)x2 + 2t2x – 1 + t2 = 0. Esta equação tem duas soluções. Uma delas não nos interessa: x = –1. A outra é x = (1 – t2)/ (1 + t2), à qual corresponde a ordenada y= 2t/(1 + t2).
Assim sendo, um teorema geométrico (o de Pitágoras) sugere-nos um problema de teoria dos números (encontrar ternos pitagóricos), que pode ser resolvido pensando em termos geométricos.