Números Reais por Hélder Pinto

Matemática - Clube SPM - Fevereiro de 2018





Nesta secção iremos mostrar apontamentos de matemática elementar que podem ser encontrados na vida quotidiana. E tentar mostrar que todas as pessoas sabem alguma matemática – basta pensar que transformar «17h15» em «cinco e um quarto» envolve mais pensamento matemático do que parece à primeira vista…

 

Hélder Pinto - Professor e investigador em História da Matemática                                        




Números Reais por Hélder Pinto - Porque devem as perguntas de escolha múltipla ter descontos?

Matemática - Clube SPM - Fevereiro de 2018  

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Título: Porque devem as perguntas de escolha múltipla ter descontos?


Durante muitos anos, a parte de escolha múltipla do exame de matemática era um pesadelo para a maioria dos alunos do 12.º ano. O grande temor vinha do facto de as respostas erradas descontarem pontos; note-se que uma escolha múltipla só era cotada com zero pontos quando o aluno optava por não responder. Note-se que ninguém passava para a segunda parte do exame com «pontos negativos» pois, por exemplo, quem errasse as perguntas todas da primeira parte ficava com zero pontos.

No meu exame de 12.º ano, por exemplo, havia 9 questões de escolha múltipla a valer 9 pontos cada uma; cada resposta errada descontava 3 pontos. Como se dizia à época, «três erradas descontam uma certa». E porque foi escolhido este valor e não outro para a penalização das respostas erradas?
De facto, esta penalização deve existir para avaliar correctamente os alunos que respondem aleatoriamente. No meu exame cada pergunta tinha 4 opções de escolha e, portanto, um aluno que respondesse «à sorte» acertaria, em média, uma pergunta em cada quatro tentativas. Como este aluno deverá ter zero, tem de se fazer com que «três erradas descontem uma certa».

Imagine-se um exame composto por 20 perguntas, cada uma delas a valer 1 valor e com 4 opções de escolha (o desconto terá de ser então de 1/3); imagine-se ainda que todos os alunos respondem a todas as questões. Um aluno que não saiba absolutamente nada e responda todas «à sorte» acertará em 20/4=5 delas o que, sem o desconto, daria uma nota de 5, bastante superior ao nível real do aluno. Mas repare-se na tabela abaixo que o desconto «corrige» essa situação: 

 


E o que acontece ao aluno de nível 4? Esse aluno acertará em 4 perguntas das quais sabe efetivamente a resposta. Se responder às restantes «à sorte» acertará em mais 16/4=4. Assim, uma tabela análoga à anterior ficaria do seguinte modo: 

 


E o que acontece ao aluno de nível 8? Esse aluno acertará em 8 perguntas das quais sabe efetivamente a resposta. Se responder às restantes «à sorte» acertará em mais 12/4=3. Assim, uma tabela análoga às anteriores ficaria do seguinte modo: 

 


Repare-se que sem os descontos, um aluno de 8 passará no teste com 11… 


Veja-se agora o que acontece noutras situações (usamos múltiplos de 4 para facilitar os cálculos): 

 


E o que acontece a um aluno de 10? Fazendo contas perfeitamente análogas, tem-se que o aluno acertará em 10 respostas que efectivamente sabe responder e que nas restantes acertará em 10/4=2,5 respostas. Em teoria, estaria tudo bem pois teríamos então o seguinte: 



Na prática, verificar-se-á uma de duas coisas:


- ou o aluno acerta em 12 questões e aí reprovará com 12×1-8×1/3=9,33;


- ou o aluno acerta em 13 questões e aí passará com 13×1-7×1/3=10,67.

Aqui entra a opção do aluno que deve decidir se arrisca ou não responder às perguntas que não sabe… umas vezes será recompensado, noutras não…(sei bem que ainda há o problema das distrações mas isso não há como avaliar numa escolha múltipla; como distinguir uma resposta errada por ignorância de outra errada por simples distração? Mas isto é válido para muitas outras coisas na vida: vale tanto um golo num «frango» do guarda redes como num remate indefensável…).

Tudo o que foi referido neste texto é um problema de probabilidades. Obviamente que é possivel que um aluno que não saiba absolutamente nada ter 20 num teste de escolha múltipla. E é igualmente possível que um aluno de nível 10 não acerte em mais nenhuma resposta para além das que sabia efectivamente responder e sair fortemente penalizado com os descontos (10×1-10×1/3=6,67). A premissa fundamental neste aspecto é que essas situações extremo ocorrerão muito raramente (isto é, têm uma probabilidade baixa de ocorrer) e, portanto, os descontos servem para ajustar, na maioria dos casos, o número de respostas certas e erradas ao nível «real» dos avaliados (se há respostas erradas, é provável que haja respostas certas «fruto de se responder à sorte»). Por outro lado, o desconto exige responsabilidade aos alunos de só responderam às questões que sabem e não «arriscarem à toa» (um aluno que saiba efetivamente a resposta correcta a 10 respostas passará no teste se não arriscar nas respostas que não sabe).

Nota. No último exame de matemática (http://cdn.iave.pt/provas/2017/EX-MatA635-F1-2017-V1.pdf) havia 8 questões de escolha múltipla (com quatro opções de escolha) sem descontos; cada uma das questões valia 0,5 valores. Assim, um aluno que responda a tudo aleatoriamente, provavelmente, terá duas respostas certas, isto é, 1 valor. Assim, só com muito azar alguém sai a zeros do exame de matemática…


Publicado/editado: 15/02/2018