Se e Só Se por José Carlos Pereira - O Tema do Momento

Eixos de Opinião de Abril de 2020

José Carlos Pereira - Professor de Matemática. Autor de Livros Escolares. Responsável pelo Site Recursos para Matemática.(Ler +).


Título: O Tema do Momento

É inevitável, tudo o que fazemos está condicionado pela conjuntura que atravessamos. O tema do momento não nos deixa sair de casa, não nos deixa estar com a nossa família, não nos deixa abraçar os que mais amamos. O tema do momento é uma besta – se deixasse a minha costela minhota falar, o adjectivo que daria ao tema do momento seria outro…

Apesar de ser o que é, o tema do momento, no meio de tanta incerteza, trouxe algumas coisas inesperadas. 

Há uns dias comecei a publicar no meu perfil no Facebook textos em que escrevo sobre o tema do momento numa perspectiva matemática. O primeiro desses textos teve uma visibilidade estrondosa, rapidamente se tornou viral. Neste momento tem mais de 3800 partilhas. Com esse texto vieram os comentários, os pedidos de amizade, as mensagens privadas e a “obrigatoriedade” de continuar a escrever sobre o tema do momento. Naturalmente que o universo de leitores deixou de ser o meu grupo de amigos, muitos deles formados na área da Matemática ou em áreas próximas, e passou a ser muito mais vasto, abrangendo pessoas com todo o tipo de formação. Expressões como modelo/curva exponencial, modelo/curva logístico/sigmóide, ponto de inflexão, “pico máximo”, taxa de crescimento, velocidade de crescimento, começaram a entrar no quotidiano dos que, por causa desse texto, me passaram a seguir. 

De repente a Matemática entrou na vida de toda a gente! A velha pergunta com que todos os professores de Matemática são constantemente confrontados parecia estar respondida! Para que serve a Matemática? Serve, por exemplo, para ajudar a combater e a explicar o tema do momento. 

Foi surpreendente receber várias mensagens, de pessoas com quem não tinha qualquer ligação no Facebook, a perguntar o que era o ponto de inflexão, o que era o “pico máximo” ou o que era uma logística. Respondi a todas as pessoas que me abordaram virtualmente com um pedido de explicação. Para facilitar o meu trabalho e para ajudar quem me procurou a entender, até desenhei umas figuras numa folha de papel e fotografei. A minha explicação vai sempre acompanhada de uma fotografia dessa folha. Continuarei a responder a todas as solicitações. 

Têm sido dias intensos!

Outra coisa inesperada foi a capacidade que os professores deste país nos mostraram! Não que eu duvidasse da competência dos meus colegas, mas de um dia para o outro foram capazes de adaptar a forma como ensinavam presencialmente para uma realidade totalmente diferente – o ensino à distância (E@D) – cuja diferença é abissal. Foi pedido que o fizéssemos, literalmente, durante um fim-de-semana. Claro que nem tudo correu bem, nem podia! Não houve qualquer tipo de preparação, ninguém estava preparado, nem professores, nem alunos, nem pais, nem explicadores, eu incluído. Adaptámos o que tínhamos em casa e, com mais ou menos engenho, lá fomos levando a água ao nosso moinho. Foi doloroso, frustrante e penoso, mas acabou por valer a pena a tentativa de manter alguma normalidade, nesta anormalidade que o tema do momento nos trouxe. Naturalmente que toda esta situação tornou mais evidentes as desigualdades pois há alunos que não têm computador ou internet ou os dois; há famílias com um computador para vários membros; nem todos os professores têm as mesmas facilidades para usar um computador e as várias aplicações disponíveis que outros colegas têm. 

Cabe agora ao Governo tomar decisões que permitam diminuir estas assimetrias, de modo que no início do terceiro período todos estejam mais ou menos em igualdade de circunstâncias. Fala-se no “regresso” da Tele-Escola o que me parece ser uma boa ideia. Já sabemos que o tema do momento vai obrigar-nos a continuar em E@D até pelo menos até ao início de Maio. Temos agora algum tempo para nos prepararmos melhor, mas continuará a ser difícil, até porque, por mais tecnologia que tenhamos, falta a expressão do olhar do aluno quando não está a perceber o que estamos a explicar – os meus colegas professores sabem do que estou a falar – falta a empatia. Em suma, falta o calor humano, que é essencial em todo o processo de aprender e ensinar. Digam o que disserem, não há nada como ensinar “cara a cara”.

A tutela tem também a difícil tarefa de decidir como irão ser os exames. Serão nos mesmos moldes? Serão adiados? Serão cortados conteúdos? Serão simplesmente eliminados? É tudo um grande ponto de interrogação, mas que exige ponderação e reflexão. É um momento muito importante na vida dos alunos, pais e professores, em que qualquer decisão precipitada pode deitar tudo a perder. 

O tema do momento mudou a nossa vida e é possível que, quando ultrapassarmos esta tormenta, olhemos para a nossa existência de maneira diferente. Talvez nos venhamos a tornar mais solidários, humildes e generosos. Todavia, o que o tema do momento não nos tirou foi a capacidade de sonhar, de imaginar e de pensar, características tão humanas. 

Somos resilientes e juntos derrotaremos esta besta que é o tema do momento. 

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Publicado/editado: 03/04/2020