Bits & Bytes por Alexandre Trocado - Entrevista a Inês Guimarães, Youtuber Mathgurl

Eixos de Opinião de outubro de 2018

Alexandre Trocado - Professor de Matemática

Título: Youtuber Mathgirl

Neste mês entrevistámos a youtuber Mathgurl, ou se quiserem a Inês Guimarães. A diferença da Mathgurl para todos outros youtubers está no conteúdo, isto é, um canal que tenta mostrar de forma divertida e descontraída temas relacionados com a Matemática. A Inês é uma aluna da Faculdade de Ciência da Universidade do Porto que facilmente demonstra todo o seu entusiasmo pela disciplina nos vídeos e simpaticamente aceitou responder a umas perguntas.

Inês qual o feedback que tens tido das tuas iniciativas: canal Youtube Mathgurl, o teu livro “Desafios Matemáticos que te vão enlouquecer” e o projeto “A Raiz do Problema”?
Começando pelo canal de YouTube, o feedback que tenho tido é simplesmente incrível. As pessoas que me acompanham e veem os meus vídeos são muito simpáticas e elogiam-me até demasiado... eu acho que nem mereço tanto! Mas é muito bom sentir esse carinho após três anos a produzir conteúdo para os outros. O livro foi lançado há menos de dois meses e ainda não chegou ao Brasil (de onde provém a maior parte dos meus seguidores). Ainda assim, já tive algum feedback das pessoas e é bastante positivo, sei que há pessoas que adoraram e isso deixa-me mesmo contente. Já o projeto “A Raiz do Problema” nunca teve grande adesão por parte das escolas. Infelizmente, até à data, fizemos muito poucas ações e, apesar de terem corrido bem e dos alunos terem gostado, não teve o sucesso que era esperado.

  

Pensas que a Matemática que se trabalha nas escolas é demasiado mecânica e poderia ser mais lúdica e atrativa para as crianças?
Sim, é isso mesmo. Claro que é sempre muito importante desenvolver o lado mais técnico e algorítmico da matemática, sem se dominarem as ferramentas não é possível alcançar resultados interessantes. Apesar disso (e não sei bem como...), seria engraçado e frutífero apelar mais ao raciocínio lógicos dos alunos e desafiá-los a resolverem problemas que apresentassem obstáculos inesperados. Aí sim seria atingido um maior desenvolvimento intelectual e pessoal. Com isto não quero dizer que se devesse dar mais matéria, antes pelo contrário. É bem mais divertido fazer-se muito a partir de pouco... ☺

Aos teus olhos a Matemática tem um lado divertido. Pensas que haveria menos insucesso se esse lado fosse mostrado na escola?
Acho que é razoável assumir que sim, sobretudo porque dessa forma os alunos ficariam mais motivados para a disciplina. Mas há algo que quero deixar bem claro: provavelmente grande parte das minhas sugestões para melhorar o ensino são utópicas e os professores já fazem muito, é uma profissão exigente e compreendo que nem sempre seja possível dar esse toque humorístico em todas as aulas. Não deve ser fácil atingir um equilíbrio entre a seriedade inerente à matemática (formalismo e rigor) e a transmissão de ideias mais intuitivas, de “igual para igual”. 

Na tua opinião já não deveria estar mais avançada a implementação dos manuais escolares digitais? Ou não consideras relevante?
Sinceramente não acho que isso seja muito relevante, penso que acaba por ser mais importante a forma como os conceitos são ensinados pelos professores e a motivação que conseguem dar aos alunos para aprender. Claro que atualmente tudo aquilo que é digital é mais apelativo e estimulante, portanto não nego que manuais virtuais possam ser um incentivo à aprendizagem dos alunos. Simplesmente não considero uma intervenção fulcral.

Na tua opinião os computadores deveriam ter um papel mais relevante no ensino da Matemática?
Eu utilizo o computador a toda a hora, para pesquisar informação e ler coisas relacionadas com matemática, por exemplo, e é um dispositivo atualmente indispensável para nós, é uma ferramenta não só de lazer, mas acima de tudo de trabalho. Para além disso, também é bem conhecida a importância da matemática na programação, aprender a elaborar pequenos programas é ótimo para estruturar o pensamento. Aliás, não existiriam computadores se não fosse a matemática. No entanto, não acho que a não utilização de computadores seja um problema grave. Teoricamente, a fonte de onde provém o conhecimento não deveria ser relevante, o que importa é a maneira como ele é transmitido, estejam as coisas escritas num manual, num site ou num tubo de papel higiénico.

Se tivesses oportunidade o que mudarias no ensino da Matemática em Portugal?
Como já mencionei, tentaria motivar os alunos a resolverem problemas que não fossem óbvios à partida, isto é, que não se resumissem a aplicar uma técnica lecionada nos cinco minutos precedentes. Um bom exemplo são os problemas das Olimpíadas de Matemática, até porque acredito que o empenho dos alunos fosse maior se se sentissem desafiados, estimulados. Claro que o professor podia ir dando dicas e guiando os estudantes, por um lado não permitindo que atingissem níveis ridículos de frustração, impotência e falhanço, mas por outro lado não revelando imediatamente a resposta. Também tentaria sempre explicar os conceitos de forma intuitiva numa fase inicial e só depois proceder para a formalização, para que a matéria não parecesse caída do céu. 

Em França foi proibida a utilização de telemóveis na escola. Pensas que esse é o caminho correto na preparação das gerações mais novas para o século XXI?
Não acho que os telemóveis devessem ser proibidos no recinto em si, porque os alunos podem ter algum problema e precisar de contactar os pais ou um amigo, e toda a gente sabe que ter um telemóvel dá muito jeito nessas alturas. Contudo, não sou a favor da utilização de telemóveis na sala de aula, os alunos iam distrair-se de certeza. Seria muito ingénuo pensar que as crianças não se iam perder nas redes sociais enquanto um professor está a falar dos monges copistas do século XIII... Na minha opinião, se o uso de telemóveis fosse permitido nas aulas, seria o caos, um autêntico veneno que só iria afastar os alunos da aprendizagem. 

O youtuber Nuno Agonia recentemente tentou fazer um vídeo dando a conhecer um software para resolver o Cubo de Rubik. A sua tentativa de concorrência à MathGurl deve ser levada a sério?
Não vi esse vídeo, mas fiquei interessada! O Nuno Agonia é uma pessoa impecável, muito simpática e atenciosa, portanto respeito o seu trabalho e desejo-lhe sucesso. Não vejo de que forma é que isso seria concorrência, visto que o meu canal tem muito pouco a ver com tecnologia ☺ 

Em relação ao teu canal do Youtube, qual o vídeo que gostarias de fazer sem limite de recursos?
Há algumas ideias que tenho na cabeça e provavelmente nunca irei pôr em prática devido à falta de equipamento e técnica (e coragem...). Uma delas é sair à rua e fazer algumas perguntas de matemática simples às pessoas para ver como seria a sua reação (malévolo, eu sei). Outra é entrevistar professores/investigadores de uma forma pouco convencional. Também aproveitava para melhorar o design e imagem do canal, criar uma introdução para os vídeos, um logotipo... talvez numa outra vida dê para investir nisso!

Agradecemos à Inês a simpatia e votos de muito sucesso quer para o seu canal quer para as suas iniciativas que podem ajudar a Matemática a tornar-se mais divertida e ao alcance de todos.

Entrevistada por Alexandre Trocado para a rubrica dos eixos de opinião "Bits & Bytes".

Publicado/editado: 28/10/2018