Contos de 3º Grau por Gonçalo Gouveia - Fair Play - 4ª Parte

Contos de 3º Grau

1ª Episódio por Carlos Marinho - Fair Play

 Dia 2 - Carlos Marinho

Em plenos Jogos Olímpicos, 10h30 da manhã, corre-se o último quilómetro da maratona, a prova mais emblemática desta competição internacional. Dois atletas destacam-se na frente da corrida, levam ambos mais de 150 metros de vantagem de um grupo perseguidor de cinco atletas. Falta 1 quilómetro para a meta, Joseph Abidai, do Quénia e Jorge Campos de Portugal estão na frente. São dos maiores fundistas da atualidade.
O vencedor desta prova ficará na história do atletismo mundial para sempre. Nisto acontece o inusitado. A 100 metros da meta, pelo cansaço acumulado o atleta queniano tropeça, cai ao chão, a fadiga fez com que desfalecesse. Ambos os atletas correram lado a lado durante mais de 42 quilómetros. A glória ali tão perto para Jorge Campos. O atleta olímpico português olhou para trás, para os seus perseguidores, em seguida olhou para o corpo prostrado de Abidai. O que fazer? Afinal, a medalha de ouro estava a escassos metros…

  Dia 8 - Inês Guimarães

E escassos não tinham sido os milhares de quilómetros galgados durante os últimos anos em preparação para aquela prova. Jorge já tinha perdido a conta aos litros de suor jorrados até então. Analisadas as probabilidades, não eram uns parcos segundos que iriam traçar o destino fatal de Abidai e, dada a cobertura que a prova estava a ter, certamente uma equipa médica já se encontrava a caminho. Assim, um quarto de minuto depois, o português somava às suas conquistas uma medalha de ouro olímpica. Os aplausos foram mais tímidos que o habitual, abafados pelos comentários relativos ao malfadado queniano. O atleta nacional recuou então até ao local do incidente, encontrando-se deveras preocupado com a saúde do colega. O seu desassossego atingiu o pico quando imaginou a multidão a gritar: “Egoísta! Agora pode ser tarde demais! Nem merecia a vitória por falta de companheirismo”. Seria este o panorama real? Seriam as pessoas capazes de reconhecer que a decisão altruísta nesta situação era também a mais ilógica?

 Dia 14 - José Veiga de Faria

Estonteado pelas colisões mentais entre a Lógica e a Moral perdeu o controle do fluxo do pensamento. 
– Não foste um bom samaritano, gritavam os populares do fundo do seu cérebro. E continuavam: 
- Toda a imoralidade é uma forma de estupidez… Foste um burro, tentaste justificar uma imoralidade com um raciocínio pretensamente inteligente!.....Rrrrrhhh…..Uuuuuhhhhhhh!!!!!
Atordoado resolveu cair no real. Pegou num lápis e num papel e pensou:
- Há qualquer coisa de aleatório no acontecimento que tinha pela frente quando tomei a decisão. Não há nada como calcular a Esperança Matemática! … Bolas… quero avaliar matematicamente a minha decisão. 
Atribuiu o valor 100 à sua vitória e, depois de se aperceber que qualquer valor negativo não era suficientemente negativo para valorizar a perda do seu colega de competição, decidiu-se pelo valor  - ∞ para essa perda , a vida não podia ser recuperada. 
Ainda assim não parou:  - Vamos agora às probabilidades…

 Dia 20 - Gonçalo Gouveia

Ah, as probabilidades! Roíam-lhe a alma os mastins de um novo remorso, e a quota de Karma devida ao zelo feroz com que se esquivara às aulas de matemática atingia-o. Não se lembrava de grande coisa sobre essa matéria, mas a pressão do momento exigia ação, e, com a convicção súbita e inabalável dos desesperados, abandonou a sua especialidade de fundista e tornou-se num sprinter da erudição probabilística: «Considerando que a probabilidade de eu ser um bom samaritano é de cem por cento, uma vez que corro que nem um cão, sem que me paguem um cêntimo, só para dar alegria a um país inteiro. Considerando que dizem que no Quénia faz muito calor, logo, correr é natural, admirando até que não sejam todos maratonistas natos, por esta altura, o que dá uma probabilidade do meu infeliz colega ganhar as próximas maratonas de, no mínimo, +∞, o que anula a perda sofrida, de -∞. Então a Esperança Matemática de o ter auxiliado era zero, porque, em matemática, quando havia resto, a conta estava errada e eu levava nas orelhas», exultou!». 

 Dia 26 - Adília Gomes

Fim do Episódio

Publicado/editado: 20/10/2019