Contos de 3º Grau por Gonçalo Gouveia - O Coronel Byscaia e a Dona Gertrudes - Episódio VI - Fim

História 24

Episódio I por José Carlos Pereira - Dia 1

Gertrudes, senhora de porte vistoso mas austero, dedicou quase toda a sua vida ao Coronel Byscaia, não como esposa ou amante, mas como governanta da sua casa. Byscaia, agora reformado, tinha sido um oficial do exército português. Soldado de grandes louvores, serviu o país na Guerra, em Angola e na Guiné. 
O Coronel tinha grande estima por Gertrudes, mas nunca percebeu a razão de ela nunca se ter casado. Afinal era uma mulher bonita, cheia de qualidades e pretendentes não lhe devem ter faltado. Certo dia, encheu-se de coragem e perguntou-lhe:
- Gertrudes, por que razão nunca se casou? 
A questão apanhou-a de surpresa, mas acabou por responder.  
- Fui apaixonada por um rapaz mas a sua família não me queria para nora. O Asdrubal foi para a guerra na Guiné, em 1969, e prometeu casar-se comigo quando voltasse. Acabou por morrer. Fiquei desgostosa e nunca mais quis ninguém. 
O Coronel tinha uma memória prodigiosa e aquele nome não lhe era estranho. Só tinha comandado um Asdrubal durante toda a sua carreira que tinha morrido precisamente na Guiné. Foi procurar nos seus papéis e passado algum tempo chamou Gertrudes e mostrou-lhe um documento. Nele estava escrito “Asdrubal Casou de Calça Curta, morto em combate pelo inimigo depois de salvar três homens da sua companhia”.
Naquele momento, os olhos de Gertrudes encheram-se de lágrimas. 

Episódio II por Francisco Fernandes - Dia 6

  

As lágrimas de Gertrudes não eram de tristeza, mas de alegria. Ela alternava entre o riso e o choro, evidenciando emoção, ao ver o documento que o Coronel lhe mostrava. O Coronel estava perplexo perante tal reação, ele não entendia o motivo do riso e da alegria da sua governanta, por isso questionou-a.
- Cara Gertrudes, não entendo a sua reação. Este não é o seu Asdrubal? 
-Não, caro capitão, não!  - respondeu exaltada – Este Asdrubal não é o meu Asdrubal! O que significa que….que… 
A emoção de Gertrudes fez com que perdesse momentaneamente os seus sentidos, só a rapidez de reflexos do Coronel evitou que ela caísse desamparada no chão. O Coronel segurou nela e sentou-a na poltrona. Foi buscar água com açúcar, quando voltou à biblioteca, Gertrudes já havia recuperado os sentidos, bebeu a água e prosseguiu a conversa.
- Não acredito que todos estes anos, julguei que o meu Asdrubal estivesse morto, mas afinal ele não está. O que significa que há esperança para nós. Preciso de o encontrar, preciso de saber se ele ainda estaria interessado em casar comigo.
- O que tem em mente? 

Episódio III por José Veiga de Faria - Dia 11

Maio de 1974  - Conversa telefónica entre a Presidência em Belém e o Palácio do Governador em Bissau
O Presidente: - Mantenha a prontidão para combate em todo o território homem, temos de negociar com esses gajos numa posição de força. Há vidas de pessoas e bens a defender, brancos e africanos que viveram e vivem debaixo da nossa bandeira!
Governador : - Mas meu general, eles já fazem churrascadas no mato desde o 25 de Abril.
O Presidente: - Isso é traição p….., alta traição! Páre com isso ou recorro ao conselho de guerra…
Na mesma altura à volta de uma fogueira no sudeste da Guiné.
- É pá!... tu não és o Asdrúbal? Passaste-te para o inimigo!... ninguém sabia de ti, a tua namorada está convencida que morreste.
- Pois foi meu capitão estava farto de estar metido naquela cerca a levar bojardas em cima a toda a hora… e quando ouvi na rádio o primeiro ministro insinuar que estávamos a defender interesses económicos passei-me. Arriscar o coiro pela malta da CUF! E sabe, tinha visto aqueles livrinhos de alfabetização feitos na Suécia e espalhados aqui pelo PAIGC.
- E daí?
- Na primeira altura pisguei-me. Casei com uma sueca e vivo numa floresta nos arredores de Malmo.
Ensino português, faço traduções e colaboro na ajuda aos povos africanos.

Episódio IV por Sílvio Gama - Dia 16

- “...3754... sim... o número do cartão de crédito acaba em 3754. Sim... sim. Portanto, amanhã posso levantar o bilhete de avião, aquando o meu check-in. Obrigada”.
Gertrudes dirigiu-se à arrecadação para buscar a mala que comprara há anos para a lua-de-mel que nunca tivera.
- “Meu Deus... todos estes anos há espera... quero ouvir da boca do Asdrúbal o que se passou para ele nunca me ter procurado...”, pensava Gertrudes, enquanto preparava a mala para a viagem.
No dia seguinte, já embarcada no avião, Gertrudes ajustava o cinto de segurança, quando se apercebeu da presença do Coronel no mesmo voo.

Episódio V por Carlos Marinho - Dia 27

O comandante João Novais do voo 3754 deu indicações que a viagem iria atrasar um pouco porque ainda não tinha recebido ordens para a descolagem.
Gestrudes tirou o cinto e foi ter com o coronel:
- O que faz aqui?
O coronel respondeu:
- Não podia deixá-la fazer esta viagem sozinha. Quero ser o primeiro a estar consigo quando vir o...
- Mas porquê? Sabe alguma coisa?
O coronel Byscaia não resistiu e contou-lhe toda a verdade... acabando com uma pergunta:
- Nunca se perguntou a razão porque eu nunca me casei?
Gertrudes olhou o coronel com lágrimas nos olhos e chamou a hospedeira...

Episódio VI por Gonçalo F. Gouveia - Dia 30

Num aparato de segurança digno do grande ecrã o casal foi escoltado para fora da aeronave, de volta ao terminal, sob os olhares inesperadamente melosos do pessoal da segurança e a solicitude romântica de um batalhão de funcionários atraídos pela notícia daquele par romântico que, por amor – daquele antigo, de cinema, diziam embevecidos uns para os outros! – haviam perturbado todo o tráfego aéreo de um aeroporto internacional, com prejuízos incalculáveis, pelos quais o Coronel rezava intimamente não ser obrigado a pagar. E assim, com a bênção de uma verdadeira multidão, embarcaram felicíssimos num táxi para um matrimónio logo ali decido, e para serem felizes para sempre. Nesse preciso momento, na floresta, nos arredores de Malmo, Asdrúbal teve um súbito pressentimento e pensou, sem que soubesse porquê, em Gertrudes. Lembrou-se, com um calafrio medonho, da carta desvairada que recebera décadas antes – a verdadeira razão para a sua deserção. Uma frase bailou-lhe diante dos olhos, como se tivesse acabado de a ler: “… e quando casarmos serás meu, meu, só meu, percebes? MEU!”. E sem que a sua mulher sueca alguma vez percebesse porquê, nesse instante voltou a enfiar-se pelo mato dentro e nunca mais ninguém o viu. 

Publicado/editado: 30/05/2018