N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - Banco de Cérebros

Eixos de Opinião de Outubro de 2019

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Bancos de Cérebros

Este mês resolvi escrever sobre um tema sensível, mas com elevada importância: a doação do nosso cérebro para investigação. Depois de morrermos, está claro.

Todos reconhecemos o quão importante pode ser, para salvarmos vidas, doarmos os nossos órgãos. Mas, em Portugal, não se fala muito da importância de doarmos também os nossos órgãos para a investigação.

A morte cerebral é utilizada para definir a morte de qualquer ser humano, pelo que, à partida, o transplante de cérebro é algo apenas do mundo da ficção. Mas um cérebro humano pode ser extremamente útil para compreendermos o que pode ter levado à sua morte.

Noutros países, é comum as pessoas serem informadas da possibilidade de doarem os seus cérebros para “bancos de cérebros”, que recebem e armazenam estes tecidos. A ideia é conseguir recolher o cérebro num espaço de tempo curto depois da morte, para que os tecidos estejam nas melhores condições possíveis, e para assim poderem ser utilizados para a investigação científica que fazemos.

Em Portugal não temos um banco de cérebros nacional. Temos um banco de cérebros no Porto, criado recentemente, que começa a dar os primeiros passos, e que requer o empenho e dedicação de pessoas que compreenderam o quão importante é apostar em algo deste género. Um banco de cérebros tem custos associados elevados, mas tem um valor enorme para a investigação.  Aliás, bancos de amostras biológicas (biobancos) no geral, sejam de sangue, de líquido céfalo-raquidiano, ou de outro tipo de tecidos biológicos, são extremamente valiosos. Quando eu trabalhava em Portugal, no IMM em Lisboa, tentei impulsionar a criação de um biobanco a nível nacional, que pudesse funcionar em rede, para que tivéssemos um número de amostras grande.

Na altura isso não foi possível, por falta de investimentos pelos ministérios da saúde e da ciência e tecnologia, mas criámos um biobanco local, no IMM, com o empenho de outros colegas que compreenderam o valor desta iniciativa.

Mas um banco de cérebros é mais complexo, pois requer toda uma estrutura para que possam ser efectuadas as colheitas dos cérebros e o seu processamento e armazenamento. Esta é apenas a primeira fase do processo. Depois de cortados em diferentes “blocos”, os tecidos das várias regiões do cérebro podem então ser distribuídos pelos investigadores que deles necessitem, mediante um pedido formal ao banco de cérebros, com um projecto e justificação que devem ser aprovados pela comissão científica responsável.

E o que podemos estudar com os cérebros? Como disse acima, podemos tentar estudar o que pode ter estado na origem da disfunção cerebral que pode ter estado na origem da morte. Por exemplo, no caso de doenças neurodegenerativas como o Alzheimer ou o Parkinson, estudar o cérebro é muito importante, não só para se confirmar de facto a patologia de que o doente sofria, mas também para se compreender como estavam afectados os tecidos, uma vez que nestas doenças se acumulam tipos característicos de proteínas.

Seria muito importante que conseguíssemos criar um banco de cérebros a nível nacional. Isto irá requerer o trabalho árduo de muitos profissionais e investigadores. Mas, antes de tudo, irá requerer a educação e consciencialização de todos nós para esta necessidade, para que possamos exigir de quem tem responsabilidade a criação desta infraestrutura.

Os frutos deste investimento serão colhidos no futuro, quando pudermos usar o que aprendermos para tratar aqueles que sofrem destas doenças.

Quem quer ajudar?

Publicado/editado: 23/10/2019