N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - Congresso Virtual da SPDMov 2021: tranquilizar também é cuidar

Eixos de Opinião de Abril de 2021

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Congresso Virtual da SPDMov 2021: tranquilizar também é cuidar

Como escrevi no último N(eur)ónios, celebra-se anualmente no dia 11 Abril o dia mundial da doença de Parkinson. Este ano, a Sociedade Portuguesa de Doenças do Movimento, SPDMov, organizou o seu congresso anual nos dias 10-11 de Abril, para associar o congresso a esta data importante. Infelizmente, a importância do dia 11 de Abril foi “abafada” pelo tema que enche actualmente jornais, televisões, e redes sociais. Esse tema, que não deixa de ser importante, irá passar bem mais depressa do que a doença de Parkinson, apesar dos esforços que milhares de investigadores fazem diariamente por todo o mundo no sentido de contribuírem para a resolução deste problema – pena não termos juízes a arquivar ou a ilibar a “culpa” que a doença carrega nas vidas de vários milhões de pessoas pelo mundo fora.

Dadas as limitações que continuamos a viver, o congresso de 2021 foi virtual, mas contou com cerca de 300 inscritos, um número excelente, que revela o interesse e importância do congresso.

O congresso decorreu de forma virtual, e por isso em formato mais curto, através de uma das plataformas mais utilizadas para estes fins, e tudo fluiu sem falhas. Os preparativos nos dias que antecederam o congresso foram intensos, implicando um trabalho em equipa, muito bem coordenado, e com o empenho de todos: juntos vamos sem dúvida mais longe! Sinto que este lema se aplica, que nem luva, a uma série de iniciativas que fervilham neste momento, e sobre as quais espero poder escrever noutras alturas para lhes dar o devido destaque.

Para além das sessões de “update” sobre os últimos avanços em algumas áreas das doenças do movimento, e dos simpósios patrocinados pela indústria farmacêutica que contaram com palestrantes internacionais, tivemos sessões chamadas “Clube Gânglios da Base” (estruturas do cérebro que se encontram numa zona profunda dos hemisférios cerebrais e que são afectadas em várias doenças do movimento), onde os colegas clínicos apresentaram casos interessantes que selecionaram para discutir com os seus pares, trocando assim opiniões sobre a doença, diagnóstico e terapêuticas. A qualidade das apresentações foi elevada, e 4 apresentações foram selecionadas como as mais interessantes, tendo recebido como prémio a última edição de um livro importante na área das doenças do movimento – um livro é sempre um bom prémio!

Tivemos também uma sessão de controvérsia, organizada conjuntamente com a Sociedade Portuguesa de Neurociências, que este ano foi dedicada ao tema “A doença de Parkinson começa no intestino”. Este é um tema actual e controverso, havendo diferentes opiniões, pelo que gerou uma “acesa”, mas logicamente cordial, troca de argumentos, em que tive o privilégio de participar – cabia-me defender a posição “não”, argumentando que a doença não terá início no intestino. Estudos recentes sugerem que, pelo menos em alguns casos da doença de Parkinson, a patologia pode surgir primeiro no intestino, e apenas mais tarde no cérebro. Não compreendemos bem o porquê destas observações, que sugerem uma relação com o apêndice, com a microbiota intestinal, e com ligações existentes entre os neurónios que enervam o tubo digestivo e estabelecem conexões com o cérebro e, por isso, precisamos de mais investigação. Mas há também muitos estudos que mostram que nem todos os casos são explicados por esta teoria, e que sugerem que o cérebro, órgão visto como mais “nobre” do que o intestino, será onde a doença se inicia. Apesar de a posição “não” ter vencido de forma, eu diria, esmagadora (82 vs. 18%), a verdade é que a evidência científica mostra que podem de facto existir casos de doença de Parkinson com origem fora do cérebro, possivelmente no intestino. A investigação irá continuar a trazer luz a este tema, que promete ocupar muitos cientistas por todo o mundo nos próximos tempos.

No dia 11, ainda fazendo parte do congresso, organizámos um debate para assinalar o dia mundial da doença de Parkinson. Esta sessão foi moderada pelo Prof. Carlos Marinho, um comunicador nato, e contou com a participação das Dras. Joana Damásio e Ana Margarida Rodrigues, especialistas em doenças do movimento. Eu participei como investigador. A sessão foi aberta ao público, tendo contado com a participação de mais de 100 participantes, muitos dos quais pessoas com Parkinson e familiares. Colocaram-nos questões importantes sobre os seus casos, os efeitos da pandemia na doença, sobre a vacinação para Covid-19, sobre formas familiares da doença, etc. O feedback que recebemos foi extremamente positivo, deixando-nos com a sensação de que atingimos o objetivo principal: esclarecer, apoiar, e tranquilizar.

Em tempos de tanta incerteza, dúvida, frustração, conseguir informar e tranquilizar com base no conhecimento que a ciência nos trás, é muito gratificante. Sou grato pela oportunidade de ter contribuído!

 

 

Publicado/editado: 23/04/2021