Neurónios por Tiago Fleming Outeiro - Eutanásia: demasiado importante para se aprovar à pressa

Eixos de Opinião de Fevereiro de 2020

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Eutanásia: demasiado importante para se aprovar à pressa

A eutanásia, uma intervenção deliberada para terminar com a vida e assim por termo a um sofrimento insuportável, está na ordem do dia em Portugal. Como se compreende, este é um tema complexo. Demasiado complexo. 

A eutanásia não é praticada em todos os países. Na verdade, são até poucos aqueles em que a eutanásia activa está prevista na lei. Na Bélgica e Holanda, a eutanásia é entendida como um acto feito por um médico, a pedido de um paciente, para terminar a vida. Na Holanda, o conceito é um pouco diferente, e é referido como suicídio assistido mediante pedido expresso.

A eutanásia é um tema em que há muita investigação na área da bioética, e cria muitas divisões pelas complexas questões morais, éticas, legais e religiosas. 

Podemos falar em eutanásia passiva, aquela em que, mediante evidência médica forte, deixa de haver condições para que a vida se mantenha de forma independente, e é tomada a decisão de “desligar” o suporte vital, deixando o corpo morrer. Este tipo de eutanásia é aceite em muitos países. Mas a questão mais controversa está relacionada com a eutanásia activa, em que são administrados fármacos com o propósito de induzir a morte, mediante um pedido expresso.

Devemos aceitar que alguém que está num estado de sofrimento extremo tenha a liberdade para decidir que quer terminar com a sua vida? Ora se esta liberdade parece um direito fundamental, não deixa de ser controversa, e é aqui que está a questão principal. Será que alguém que está num estado de sofrimento extremo está em condições de decidir que deve terminar com a sua vida? E como se lida com os casos de crianças? E nos casos de adultos com doenças como as demências, que alteram a possibilidade de tomarem decisões? Será que as pessoas responsáveis por estas pessoas devem poder decidir por elas?

Por outro lado, um médico é treinado para manter a vida, e é debatível se deve ajudar alguém a terminar a vida.

Estas são as questões mais óbvias, mas há depois muitas outras mais complexas ao nível legal, por exemplo.

Pela complexidade da questão, e porque este tema foi introduzido para votação no parlamento à pressa, sem um debate profundo na sociedade Portuguesa, o tema preocupa-me. Há os que dizem que a sociedade conhece as questões, que se falou do tema, que deve ser um direito individual. Mas se é uma questão com tamanha complexidade, porque querem alguns partidos votar a questão à pressa?

Temos exemplos bem recentes de países em que se votaram questões fundamentais, e em que os resultados foram desastrosos. Não seria mais lógico debater a questão de uma forma mais profunda, para que as pessoas possam de facto estar mais informadas? Esta é a minha principal preocupação. Não ouso julgar quem, em motivos extremos, entende que terminar a sua vida é a melhor solução. Mas penso que uma sociedade madura pode encontrar alternativas, pugnando por ajudar a manter a dignidade de quem sofre, e minimizando a vontade de terminar com a sua vida. Sendo assim, pergunto-me: qual a necessidade de aprovar esta questão de forma tão apressada? Quando este texto for editado, já teremos uma decisão do parlamento. Que seja a melhor, e de acordo com a liberdade de consciência de cada deputado.

 

Publicado/editado: 22/02/2020