N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - Fazer um doutoramento: quem, como e porquê?

Eixos de Opinião de Novembro de 2021

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Fazer um doutoramento: quem, como e porquê?

Uma carreira académica, de ensino e investigação, requer uma formação avançada numa etapa conhecida como um Doutoramento, e que consiste na obtenção do grau de Doutor numa determinada área. Esta etapa surge, no actual contexto académico, depois do Mestrado, e pressupõe que nos tornemos especialistas na área em que trabalhamos.

Nas ciências da vida, a área em que trabalho, tenho observado, ao longo dos mais de 20 anos de experiência, muitos estudantes de doutoramento, em muitos países. Tenho também percebido que muitas vezes a motivação para fazer um doutoramento não é a correcta, o que leva a frustrações, desencanto, e fricções entre pessoas.

Embarcar num doutoramento requer uma maturidade e uma certeza de que aquele é o caminho que queremos seguir, porque a dedicação, o esforço, o compromisso, devem ser inquestionáveis. E isto é o que, em muitos casos, não acontece. Bem sei que, quando terminamos a licenciatura e mestrado, temos uma visão romântica da ciência, e achamos que tudo é compatível. Vivemos num mundo com muitas solicitações, muitas redes sociais, muitos instagrams e tik toks... com muitos jogos online, com muitos vídeos no youtube e muitas séries da Netflix... demasiadas distrações para quem deve estar focado e comprometido com uma etapa que, invariavelmente, determina depois a nossa carreira profissional. Em muitos destes casos, as distrações estão associadas a alguma imaturidade, que permite que nos deixemos distrair em momentos em que o nosso foco deveria ser o doutoramento, a ciência, a curiosidade de obtermos respostas para perguntas que, como escreveu o Prof. António Coutinho, nos deveriam ocupar o pensamento ao deitar e ao acordar. Eu acrescento, esta sede de conhecimento deve criar-nos uma inquietude que nos deveria aguçar a curiosidade, a capacidade de trabalho, e a vontade de chegar mais longe, resolvendo problemas relevantes para a humanidade. Se é sempre tudo isto? Não é. Mas quem, à partida, prefere jogos, festas, viagens, e distrações, deveria saber que não está a ir pelo caminho certo quando embarca num doutoramento.

Um doutoramento faz-se com dedicação, com esforço, com compromisso, com sacrifícios. Faz-se querendo obter respostas, querendo obter conhecimento. Faz-se porque é uma ferramenta que nos permite treinar o pensamento, treinar as nossas capacidades experimentais, e de integração de conhecimento. Faz-se, não só mas também porque é uma ferramenta que nos permite enveredar numa carreira académica, de investigação e de ensino, formando as gerações futuras, e desenvolvendo aplicações e soluções para os problemas da humanidade.

Apesar de tudo, um doutoramento requer equilíbrio. Requer que sejamos capazes de nos manter sãos, socialmente integrados, com espírito de equipa e entreajuda e, algo que considero essencial, humildade. A humildade de quem sabe que nunca sabemos o suficiente. De quem sabe que há sempre quem saiba mais do que nós. De quem sabe que alcançamos mais longe sempre que trabalhamos com outros. De quem sabe que quem “dá” conhecimento recebe muito em troca.

Vivemos num mundo extremamente competitivo, em todas as áreas. A ciência e a vida académica são um exemplo claro, e algumas vezes infeliz, de como a competição determina o que alcançamos ou não alcançamos. Devemos evitar frustrações pessoais e profissionais, e por tudo isto, é muito importante termos a noção do que é e para quem é um doutoramento. Precisamos de muita gente com a motivação, a ambição, e a humildade necessária para embarcar neste caminho. 

 

 

Publicado/editado: 23/11/2021