N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - O regresso das reuniões científicas em “3D”

Eixos de Opinião de Setembro de 2021

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: O regresso das reuniões científicas em “3D”

Vivemos ainda a pandemia da COVID-19, ainda que numa fase diferente. Afortunadamente, em alguns países a taxa de vacinação está já nos números desejados, com 70% ou mais da população completamente vacinada. Mas precisamos de mais e, como a ciência começa a demonstrar, precisaremos até de mais doses das vacinas disponíveis para assegurar que o sistema imunitário está “equipado” para combater o vírus SARS-CoV2, em caso de infecção.

O actual aparente controlo da situação em alguns países tem permitido que voltemos a realizar actividades que faziam parte das nossas vidas: ir a restaurantes, viajar, estar em grupo. Na ciência, como noutras áreas, encontros de especialistas eram parte constante e importante para permitir troca de conhecimento entre pares. Durante muitos meses da pandemia, fomo-nos adaptando ao teletrabalho, e à utilização de ferramentas de comunicação cujos nomes passaram a fazer parte do nosso léxico. Entre as mais comuns, “ter um zoom” é sinónimo de “ter uma reunião através da internet com um ou mais colegas”. No meu caso pessoal, asseguro que foram já, pelo menos, centenas de reuniões realizadas através destas ferramentas, atrás de um ecrã de computador. Estas reuniões vieram para ficar e, sem dúvida, são muito úteis a vários níveis, facilitando a comunicação e aproximando as pessoas. Mas apenas a duas dimensões (2D).
Acontece que o Homem, como outros animais, é um ser social. A evolução fez-nos assim, e há componentes importantes da nossa socialização que não são eficazes em 2D. Isto é verdade também na ciência, onde muitas das trocas de conhecimento acontecem não apenas no tempo em que escutamos os colegas a apresentar o progresso dos seus trabalhos, mas também em muitos outros momentos de interacção social, como durante as refeições, em conversas curtas nos intervalos, durante passeios ou outras actividades em grupo. As interacções sociais em formato presencial, a 3D, são fundamentais e insubstituíveis para que o conhecimento avance à velocidade a que estávamos habituados.
Entre os dias 6-8 de Setembro, organizei com uns colegas, a terceira edição do HEAT-NET Meeting. As edições anteriores decorreram de forma presencial, antes da pandemia, e foram interrompidas por termos entendido que não era suficiente reunir apenas de forma virtual. Este foi o primeiro evento científico em que participei a 3D desde o início da pandemia. Foi um evento “híbrido”, em que conseguimos também permitir a participação virtual de colegas que não puderam viajar para estarem presentes em Goettingen na Alemanha. Reunimos um grupo de 65 pessoas num auditório que, normalmente, levaria três vezes mais, para garantirmos uma distância física recomendável entre os participantes. Usámos máscara, banhamo-nos em soluções desinfectantes, e limitamos a participação a que estivesse vacinado, recuperado, ou testado. Traçámos e seguimos um plano sanitário para minimizar o risco para os participantes. E foi um sucesso!
Todos apreciaram este regresso a uma normalidade que conhecíamos e que tivemos de interromper. Uma normalidade que não é “normal”, que não é igual, e que ainda nos impõe limitações. Mas pelo menos pudemos reunir em 3D, conversar e trocar ideias em jantares, almoços e intervalos para café. Pudemos ter sessões de pósteres ao vivo, com conversas e trocas que ajudam a evolução dos investigadores. Pudemos sentir e apreciar que precisamos deste tipo de eventos. Esperemos que estejam a voltar em 3D para ficar, e que a pandemia esteja mesmo a passar a algo que fique apenas em 2D, registada dos “livros” da história da humanidade.

 

Publicado/editado: 23/09/2021