N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - Por mais reconhecimento em vida: para que não seja demasiado tarde

Eixos de Opinião de Junho de 2021

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Por mais reconhecimento em vida: para que não seja demasiado tarde

No dia 11 de Maio, recebi um email que me tocou, e me fez pensar que seria bom sermos capazes de mostrar mais reconhecimento por quem tem mérito ainda em vida, e não apenas a título póstumo. Não porque não possamos reconhecer quem já partiu, mas porque quem tem mérito merece ser reconhecido também enquanto vive.

O email veio de um primo de um colega Italiano que conheci, talvez em 2001, num congresso sobre doença de Huntington, nos EUA. O colega, Paolo, era uma pessoa divertida e simpática, excelente profissional, com quem podíamos ter boas conversas científicas ou pessoais. Como eu, tinha jogado voleibol na sua juventude, o que nos permitia jogar, e impressionar, alguns colegas com quem jogávamos nas tardes livres que tínhamos durante alguns congressos. Habituei-me a encontrar o Paolo, juntamente com outros colegas, a partilhar os avanços que fazíamos, a aprender com a sua experiência e curiosidade, e a perceber que a ciência é sempre melhor quando feita com colegas a quem podemos chamar amigos. O Paolo era um daqueles amigos que não vemos com frequência, mas que sabemos que quando reencontramos vai querer saber de nós, vai partilhar a sua alegria e boa disposição.

Em 2006 soube que estava doente, com cancro. Mas ele era jovem, positivo, e achei que fosse superar a doença. Encontrámo-nos em Novembro de 2007 noutro congresso, em San Diego e era, por dentro, o mesmo Paolo divertido, inteligente, amistoso. Em Dezembro de 2007 soube da sua partida, depois de vários meses sem ter notícias suas... foi triste, inesperado, rápido... como é sempre nestes casos...

O Paolo fez contribuições importantes na área da doença de Huntington. Publicou artigos de qualidade, era conhecido na nossa área, e era motivo de orgulho para os seus familiares e amigos em Itália. Deixou-nos cedo demais... deixou-nos antes de ter um número suficiente de cabelos brancos que nos fazem achar que devemos respeitar aquela pessoa... e assim, não teve a honra de assistir ao reconhecimento que agora lhe pretendem fazer na sua terra natal, em Itália.

O email que recebi foi de um primo do Paolo que encontrou o meu contacto, por eu ter deixado uma mensagem de despedida aquando da sua partida. No email, disse-me que a cidade onde vive, e de onde o Paolo saiu ainda jovem, quer prestar-lhe uma homenagem, dando o seu nome a uma rua ou praça. Sem dúvida, uma honra merecida para um “filho” que saiu para procurar novos mundos, e que partiu antes de poder voltar a casa. O Paolo deixa saudades, mas o seu nome irá perdurar. Sei que ele não ambicionava este reconhecimento, mas acredito que, como qualquer comum mortal, gostasse de poder sentir em vida o reconhecimento merecido pelo seu trabalho, e pela pessoa que foi.

Ontem mesmo (dia 8 de Junho), ao folhear uma revista científica da especialidade em que trabalho, li um obituário que me chocou – uma colega, investigadora nos EUA, na minha faixa etária (que gosto de considerar ainda jovem), deixou-nos já há quase um ano, em Agosto de 2020. O testemunho dos colegas e amigos mais próximos confirmaram a impressão que tinha dela – uma cientista com uma carreira em ascensão, já com contribuições muito importantes, e que iria certamente chegar longe. O motivo da morte – acidente automóvel... outra vida que se perdeu sem que se tenha podido reconhecer devidamente o seu mérito.

Sem dramatismos, mas com o pragmatismo de quem reconhece a pequenez da natureza humana, cada vez mais sinto que devemos aproveitar cada dia como se fosse o último. Hoje estamos cá. Amanhã não sabemos. Seria bom que soubéssemos dar mais valor e reconhecimento a quem o merece, antes que seja tarde demais.

Publicado/editado: 23/06/2021