N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - Tempos em que avatares se reúnem em congressos científicos

Eixos de Opinião de Outubro de 2020

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Tempos em que avatares se reúnem em congressos científicos

Com uns meses de atraso, devido à pandemia, realizou-se o congresso anual da Sociedade Portuguesa de Doenças do Movimento (SPDMov; www.spdmov.org). Este não foi um congresso normal, pois os tempos que vivemos não o permitem. Foi um congresso virtual, entre avatares. 

Estamos habituados a usar emojis, memojis, e outros bonecos na nossa comunicação diária através dos dispositivos móveis que estão em todo o lado. Mas eu confesso: nunca me tinha visto como avatar. Não sei dizer ainda se o digo com orgulho ou com vergonha, mas digo-o com surpresa: já participei num congresso científico em forma de avatar!

Na aplicação usada no congresso, fomos convidados a criar o nosso avatar. Como gosto do Verão e da praia, senti-me tentado a ser “cool”, e a apresentar-me de calções, chinelos, óculos de sol, e prancha de surf debaixo do braço. Infelizmente, não existiam estas opções... optei então por um estilo mais profissional, de fato e gravata pois, afinal de contas, era um congresso respeitável. Arrisquei no calçado, e optei por uns ténis estilo “All Star”, para ser um pouco mais divertido. Depois de vestido, fiquei pronto para o “congresso”. Vi colegas elegantes, outros mais desportivos, e penso que isto permitiu que todos nos divertíssemos um pouco, de uma forma quase infantil...

A pandemia não chegou aos avatares, e circulámos todos sem máscara, o que foi libertador. Podíamos circular, a passo ou em corrida, pelo auditório e pela sala de exposições, onde estavam os stands dos patrocinadores e os pósteres dos participantes. Confesso que achei pouco seguro permitirem correr por esses espaços, o que acabou por resultar em alguns encontrões desajeitados, e até no “trespassar” de algumas pessoas... ninguém se queixou, pelo que penso que ficaram todos bem, mas temo ter sido “deselegante” com algumas pessoas por ter sido desajeitado a conduzir o meu avatar. Apresento por isso as minhas desculpas públicas. 

Houve alguns problemas técnicos, que mostraram que precisamos de continuar a evoluir nestas plataformas e softwares, mas penso que o congresso correu bem no geral, e que permitiu uma interacção que, apesar das limitações óbvias, superou as minhas expectativas.

O tema principal do congresso deste ano foi a doença de Huntington, uma área em que há a enorme expectativa com um ensaio clínico em que se está a tentar reduzir a produção da proteína que causa a doença. O Dr. Ed Wild, da UCL em Londres, que é um amigo de há vários anos, deu-nos um excelente update sobre o ensaio em que está envolvido, para silenciar o gene que codifica a proteína huntingtina, e mostrou-nos porque devemos estar optimistas.

Os updates e as sessões de comunicações orais tiveram elevada qualidade, trazendo temas actuais e relevantes da área, e os simpósios da indústria foram também muito interessantes, pela partilha de experiências e conhecimento, sempre importante para os colegas mais jovens ou para os menos experientes na área.

Ter sido avatar pela primeira vez foi uma experiência nova e interessante, mas também me deixa alguma pena. Não por termos aberto a porta àquilo que será certamente o futuro, mas por não ter podido disfrutar da interacção pessoal e próxima com os colegas e amigos, nas sessões científicas, nos almoços e jantares, ou nos “coffee breaks”. Disso senti falta. Mas uma vantagem existe quando somos substituídos por avatares: não se contribui para a pandemia!

 

Publicado/editado: 23/10/2020