N(eur)ónios por Tiago Fleming Outeiro - Uma nova esperança na América de Biden

Eixos de Opinião de Novembro de 2020

Tiago Fleming Outeiro - Director of Department of Experimental Neurodegeneration Center for Nanoscale Microscopy and Molecular Physiology of the Brain - University Medical Center Goettingen (Ver +)


Título: Uma nova esperança na América de Biden

Vivi quase 9 anos nos EUA, um país que já admirava à distância, mesmo sem nunca lá ter ido. Talvez por sermos inundados com a cultura Americana, que nos fazia acreditar que tudo é possível quando se trabalha no duro, talvez pelos avanços tecnológicos e científicos que nos fazem sonhar. Talvez pelas marcas, pelo estilo de vida, pela democracia... a verdade é que, quando percebi o que gostaria de fazer a nível profissional, senti uma grande vontade de ter uma experiência em primeira mão, e viver nos EUA. Tinha vários ídolos na ciência, e tive a felicidade de trabalhar com grandes nomes da ciência Americana, em Universidades com grande prestígio. 

O tempo que vivi nos EUA serviu não só para continuar a minha formação, mas também para me transformar no que sou hoje. 

Passei anos muito bons, em que pude experimentar e sentir a garra, o dinamismo, a determinação, a força das pessoas quando querem fazer algo maior. Passei momentos difíceis, como o 11 de Setembro, em que, não sendo Americano, me senti também “atacado” naquilo que devem ser as liberdades fundamentais, um direito intocável, que não podemos tolerar no século XXI. Mas os anos que vivi nos EUA serviram também para perceber que nem tudo é perfeito naquele grande país. Na verdade, sabemos que não há países perfeitos, mas tomamos consciência das imperfeições quando as vivemos in loco, pois observamos directamente e experienciamos o bom, o menos bom, e o mau.

Para o bem e para o mal, vivi em duas grandes cidades em que o nível de conhecimento é elevado, pelas grandes Universidades e pelo ambiente académico que criam em seu redor. No entanto, o país é enorme, e há muitos lugares em que as assimetrias, as dificuldades, as limitações, impedem que as pessoas tenham o mesmo acesso ao conhecimento, à educação, e às oportunidades que lhes permitam lutar pelo sonho Americano.

Lembro-me de quando George W. Bush ganhou as eleições e dos tempos que se viveram nessa altura, com as ameaças terroristas e as respostas que o país encetou. Foram tempos em que os mais liberais se preocuparam, e em que o mundo assistiu a um lado dos Americanos que o mundo não aprecia: quererem ser os “polícias” do mundo sem mandato, assumindo que são superiores, e assumindo que todos devem viver sob as suas ideias democráticas, e que não poucas vezes são usadas para camuflar os seus interesses económicos.

Veio depois o Presidente Obama, uma lufada de ar fresco que fez o mundo acreditar que “sim, podemos” (Yes we can!). Os EUA assumiram um novo papel no mundo, mais positivo, e tentaram corrigir problemas crónicos na sociedade Americana. Nem tudo correu bem, pois o sistema político não o permitiu, mas havia claramente alguém preparado e responsável à frente daquele grande país. Qual não foi, depois, o espanto do mundo quando, em 2016, os Americanos elegeram Donald Trump para presidente. Quando muitos acharam que George W. Bush tinha sido mau, poucos imaginaram que alguém conseguisse mostrar o quão bom tinha sido George W...

Foram 4 anos de birras, irresponsabilidades, incapacidade, incoerências, quezílias, e outro sem número de termos nada compatíveis com a grandeza do país. 

Internamente, a economia Americana manteve-se forte, e isso é algo que legitimou de alguma forma Donald Trump. Se outros Presidentes foram grandes pela sua classe, capacidade, liderança, e entusiasmo, de Trump vamos apenas guardar as birras, o ego, e talvez o alívio por o vermos sair.

Nenhum líder pode estar sempre certo, e a condição humana diz-nos que todos falhamos. Mas Trump nem na saída consegue perceber que o seu tempo terminou, que a democracia escolheu outra pessoa, e que os conflitos só pioram a sua imagem. Não que ele se preocupe, mas é a imagem com que o mundo fica dele.

Este texto foi motivado pelo discurso do actualmente Presidente-eleito Joe Biden. Um discurso que me entusiasmou e me fez admirar e ter esperança na sua presidência. Um discurso ponderado, pacificador e unificador, responsável, e que nos faz sonhar e querer viver, ainda que à distância, o sonho Americano. Faz-me também esperar que outros países com líderes populistas, irresponsáveis, e trafulhas, sejam capazes de usar as suas democracias para mudarem o seu rumo, para que os próximos anos sejam de amadurecimento, de crescimento, de mais união e respeito. Talvez seja pedir demais... mas atrevo-me a ter esperança de que assim seja.

 

Publicado/editado: 23/11/2020