Números Reais por Hélder Pinto - As últimas eleições europeias e outras questões

Eixos de Opinião de Junho de 2019

   

Hélder Pinto - Professor no Instituto Piaget e Investigador em História da Matemática (Ver +)


Título: As últimas eleições europeias e outras questões

No final do passado mês de maio realizaram-se as Eleições Europeias onde Portugal elegeu os seus 21 eurodeputados. Os resultados estão apresentados no grafismo abaixo (percentagem de votos, número total de votos e número de eurodeputados eleitos de cada partido).

À primeira vista existem coisas difíceis de perceber como, por exemplo, o facto de o PCP-PEV e o BE terem eleito o mesmo número de eurodeputados apesar da percentagem de votos no BE ter sido substancialmente superior (note-se até que a votação do PCP-PEV é muito similar à do CDS-PP). Outra aparente discrepância é o facto de o PS ter eleito cerca de 43% dos eurodeputados portugueses embora só tenha tido 33% da votação total.

Estas diferenças surgem do método escolhido para a seleção dos eurodeputados: o método d’Hondt (a Comissão Nacional de Eleições faz uma explicação detalhada deste método em http://www.cne.pt/content/metodo-de-hondt). Há um modo simples de se perceber quem será eleito e recorre à seguinte tabela onde a votação de cada partido é dividida por 1, por 2, por 3, …, por 20 e por 21 (o número de eurodeputados a eleger). De facto, a tabela não precisa de ser tão grande e, para facilitar a leitura, apresentaremos somente até ao partido Aliança (o mais votado entre os partidos que não elegeram eurodeputados) e até ao número 10 (note-se que em cada coluna os valores estão sempre a diminuir e que o partido mais votado fechou a sua votação com 9 eurodeputados).

Para selecionar os 21 eurodeputados basta escolher as 21 células da tabela que apresentem um maior valor (células coloridas na tabela). Note-se ainda que o «último» eurodeputado a ser eleito foi o segundo do PCP-PEV (célula laranja) e que nenhuma das células não selecionadas apresenta um valor maior.
Observando a tabela, é possível saber quem seria eleito a seguir se houvesse mais eurodeputados para eleger: 22.º PS (110 mil), 23.º BE (108 mil), 24.º PPD-PSD (103 mil), 25.º CDS-PP (102 mil), 26.º PS (100 mil), ….

É possível ainda observar que os partidos que não elegeram nenhum eurodeputado estiveram muito longe de o conseguir fazer. Por exemplo, o partido Aliança precisaria de mais 114076 – 61751 = 52325 votos para eleger um representante, o que é significativo uma vez que tiveram apenas cerca de sessenta mil votos.   

As eleições legislativas seguem o mesmo método, mas não no total global do país como nas europeias, mas sim em diferentes círculos eleitorais (distritos). Considere-se a última eleição legislativa. Por exemplo, o distrito de Portalegre elegeu dois deputados e os resultados foram os seguintes:  

 
Apesar de a votação entre os dois primeiros classificados ter sido muito distinta (uma diferença de 15%), o resultado final foi igual dado que ambos elegeram o mesmo número de deputados. Note-se ainda que esta situação gera um grande «desperdício» de votos… Os 7 mil votos no PCP-PEV, apesar de corresponderem a 12%, tiveram o mesmo efeito que os 144 votos do último classificado.

Observe-se agora com cuidado os resultados globais da última eleição legislativa:

 
Existem dois partidos com mais de 1% dos votos que não elegeram qualquer deputado. Ora, esta situação parece estranha pois são eleitos 230 deputados; note-se que 100%/230=0,435% e, por isso, seria expectável que a votação obtida fosse suficiente para a eleição de deputados. A razão de tal não acontecer deve-se à dispersão de votos pelos diferentes círculos eleitorais. Se os cerca de sessenta mil votos do PDR e do PCTP/MRPP fossem todos na região de Lisboa, eles teriam eleito pelo menos um deputado como se depreende facilmente dos resultados dessa região apresentados a seguir (note-se que o PAN elegeu um deputado em Lisboa com apenas cerca de 23 mil votos…):

O importante nas legislativas não é apenas o número total de votos mas também o sítio de onde provêm esses votos… o que pode levar a certas injustiças; pois facilmente pode acontecer um partido ter mais votos que um seu adversário e, ainda assim, ter menos deputados que esse adversário, dependendo da distribuição dos votos pelos diferentes distritos (por hipótese, imagine-se um partido que tivesse apenas 25 mil votos na região de Lisboa (e nenhum no resto do país); este elegeria pelo menos um deputado mas teria menos votação global que muitos dos seus adversários que não elegeram nenhum deputado…). 

E não se pense que esta é uma hipótese impossível de acontecer pois já aconteceu algo similar na eleição do Presidente dos EUA em 2000: o presidente Bush teve menos votação global que o seu oponente (47,9% vs. 48,4%), mas ganhou a eleição pois conseguiu eleger mais elementos para o colégio eleitoral que elege o presidente (271 vs. 266); recorde-se que cada estado norte-americano tem direito a eleger um certo número de elementos para este colégio e que nem todos utilizam o mesmo método de eleição. Por exemplo, existem estados onde se aplica o conceito «the winner takes it all» (o vencedor fica com tudo) – se este método fosse aplicado nas europeias o PS ficaria com os 21 eurodeputados portugueses com apenas 33% da votação…).

Publicado/editado: 16/06/2019