Parecer sobre o Exame Final Nacional de Matemática A - 25 de junho 2019

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Tal como aconteceu no ano passado, o exame que hoje foi proposto pelo IAVE apresenta itens em alternativa, pretendendo-se assim adequado simultaneamente para os alunos que seguiram o Programa e Metas Curriculares em vigor e para aqueles que seguiram o programa anterior já revogado. No presente ano letivo este último já não foi lecionado nas escolas, sendo por isso ainda mais incompreensível esta opção. Os alunos externos que eventualmente pretendessem submeter-se a exame deveriam naturalmente ter uma prova própria, como sempre foi feito no passado aquando de alterações de programa. Sujeitar todos os alunos, em particular todos os que se encontram dentro da escolaridade obrigatória, a outros referenciais eventualmente adequados para alunos que já não estão nessa situação é pura e simplesmente inadmissível. Numa rara consonância em matéria educativa, este modelo de prova foi unanimemente reprovado no ano passado por todos os observadores e público em geral.


Esta medida do “exame duplo” compreende-se naturalmente à luz do travão que o Ministério quer declaradamente impor por todos os meios ao seu dispor à implementação de currículos organizados e rigorosos e à aversão que demonstra em cada uma das suas medidas por uma avaliação de conhecimentos e de capacidades séria e objetiva. Contudo, é o IAVE que deve zelar pela correção técnica das provas, que aqui fica comprometida: um mesmo exame não pode evidentemente obedecer a dois referenciais de avaliação distintos. Como a Sociedade Portuguesa de Matemática tem amplamente denunciado, o projeto de “Autonomia e Flexibilidade Curricular”, que deixa liberdade às escolas “para construir o seu próprio currículo”, supostamente para que “as verdadeiras aprendizagens possam finalmente começar” (!) não é mais do que uma forma encapotada de fazer com que os currículos efetivamente lecionados não possam ser submetidos ao escrutínio público, nivelando por baixo o trabalho das escolas e transformando-as lentamente em verdadeiros centros de Atividades de Tempos Livres. Note-se que o próprio diretor do IAVE já admitiu, em entrevista recente ao jornal Público, que «os conteúdos dos exames do 11.º ano foram encolhidos por causa da flexibilidade», prenúncio de uma onda de facilitismo que por muito que seja negada pela tutela começa a ser impossível de esconder. Apesar da flexibilidade curricular só chegar em 2019/20 ao 12.º ano de escolaridade, é notória a transição que o exame de hoje pretende fazer, na passagem de uma avaliação digna e pertinente para uma avaliação sem fiabilidade, “a fingir” e até, por vezes, caricata.


Por exemplo, no item 5, mais uma vez se pretende mostrar artificialmente as aplicações da Matemática, transcrevendo-se equações supostamente complexas e que enchem o olho, mas pedindo-se aos alunos que apenas substituam o valor de duas variáveis e coloquem em equação uma situação do tipo “d excede em 9 milímetros x” (raciocínio ao nível do 2.º ciclo).  Muito lamentavelmente, nesse mesmo item, é explicitamente solicitado aos alunos para «não justificar a validade do resultado obtido na calculadora». Esta situação já tinha ocorrido no ano passado e constitui a antítese do método científico e da boa utilização da tecnologia, que deve ser sempre acompanhada de espírito crítico.


De salientar também a total ausência de avaliação dos principais teoremas da Análise (o Teorema de Bolzano-Cauchy, por exemplo, seria necessário no item 5 se se pretendesse que os alunos fizessem algo mais do que introduzir uma fórmula na calculadora) bem como a ausência de um qualquer item de natureza demonstrativa. A avaliação do domínio dos osciladores harmónicos (item 12.2) é insensata, por se tratar de mais uma questão demasiadamente trivial, para alunos em final do Ensino Secundário.


Em suma, trata-se de uma prova pobre que não avalia de forma equilibrada a aprendizagem prevista no currículo do Ensino Secundário nem valoriza adequadamente o trabalho desenvolvido pelos alunos e respetivos professores ao longo dos três anos do Ensino Secundário, situação que, tudo indica, poderá agravar-se no futuro.
 

Publicado/editado: 25/06/2019