Prova de Aferição de Matemática e Estudo do Meio - 19 de junho

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A Sociedade Portuguesa de Matemática começa por salientar a total ineficácia de provas de aferição aplicadas no 2.º ano de escolaridade. A grande variabilidade na maturidade e no estádio de desenvolvimento cognitivo que tipicamente se observa nas crianças desta faixa etária – sendo também certo que as diferenças de idade, que podem ir até um ano, têm nesta fase um elevadíssimo impacto - tornam qualquer avaliação deste tipo inutilizável para fins de monitorização do bom funcionamento do nosso sistema de Ensino.

Diga-se, a este propósito, que as escolas pouco ou nada aproveitam da informação retirada destas provas e que não existe um qualquer conjunto de índices nacionais que, com base nos resultados dos alunos, permitam acompanhar de ano para ano a evolução da qualidade do nosso Ensino. Esta inadequação instrumental leva a relatórios individualizados que apenas parecem servir para desmoralizar os alunos logo no início da sua escolaridade, preocupar os respetivos encarregados de educação e servir de pretexto à reforma totalmente insensata que está em curso na escola portuguesa. Esses relatórios, até aqui tipicamente negativos, estão em completa dissonância com todos os dados fiáveis de que se dispunha em finais de 2015 quanto à qualidade da aprendizagem dos alunos durante o 1.º ciclo do Ensino Básico.

Até 2015, era prática consensual em Portugal aplicar a primeira prova externa no final do 1.º ciclo, podendo-se então medir com muito maior segurança os conhecimentos que os alunos adquiriram e as capacidades que desenvolveram, bem como a adequação e a qualidade do Ensino ministrado no país. A total ausência desta monitorização nos últimos quatro anos é aflitiva, não se sabendo hoje se os alunos terminam o 1.º ciclo com capacidades mínimas em Matemática ou mesmo de leitura e de escrita.

Este problema é naturalmente agudizado pelo projeto de “Autonomia e Flexibilidade Curricular” em curso, que deixa às escolas uma liberdade praticamente total para desenhar os seus próprios currículos sem qualquer monitorização externa minimamente séria. No passado dia 11 de junho o Ministério da Educação publicou discretamente a Portaria 181/2019 que aumenta ainda mais esta autonomia das escolas, que podem agora ignorar mais do que 25% dos programas oficiais - limite inicialmente imposto pela tutela - com o único escrutínio de uma misteriosa “equipa de coordenação nacional”. Esta equipa fica assim com poderes indefinidamente alargados relativamente aos currículos que na prática passarão a vigorar em muitas escolas, sem que haja qualquer consulta pública que possa preceder ou acompanhar este processo. Será a partir de agora impossível conhecer os currículos aplicados aos alunos no   terreno, situação obscurantista e totalmente inédita na história do Ensino em Portugal.

A Sociedade Portuguesa de Matemática relembra que em 2015 os alunos em final do 4.º ano de escolaridade foram submetidos ao teste internacional TIMSS, tendo obtido os melhores resultados de sempre e colocando-se em linha com os restantes países desenvolvidos, obtendo mesmo resultados superiores aos da Finlândia, Dinamarca, Holanda, Alemanha, Suécia, Espanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos da América ou França. Estes alunos seguiram Programas e Metas iguais para todos, claras, rigorosas e objetivas (fortemente aconselhadas pelo Ministério no 2.º ano e obrigatórias no 3.º e 4.º ano de escolaridade, anos sobre os quais versou o teste TIMSS). O desmantelamento deste sucesso que se começou a observar é lamentável e deprimente, tendo impacto negativo provável em gerações inteiras. O Ministério entrega às escolas - tuteladas por uma “equipa de coordenação” cujas decisões não estarão sujeitas a escrutínio - o poder de submeter os seus alunos a um experimentalismo que poderá ser fortemente limitativo do nível de formação que lhes é proporcionado. É facto preocupante para um país cujo desenvolvimento tanto depende da preparação adequada das novas gerações e onde se deveriam criar condições cada vez mais favoráveis à igualdade de oportunidades para todos os jovens.

No que diz respeito ao enunciado:
A prova não contém erros científicos e parece-nos claramente mais adequada do que as dos anos anteriores, tendo-se corrigido em particular vários aspetos apontados pela SPM no passado.
Contudo, pontualmente, alguns itens apresentam ainda um grau de complexidade demasiado desajustado a alunos do 2.º ano de escolaridade. Os conteúdos matemáticos são pouco variados, provavelmente por se pretender também avaliar Estudo de Meio, opção de que discordamos por configurar uma interdisciplinaridade artificial e forçada. Desta forma, os itens de Matemática não são suficientes para aferir adequadamente os conhecimentos adquiridos pelos alunos no final do 2.o ano: este teste avalia de forma deficiente um certo número de técnicas essenciais a um prosseguimento de estudos de sucesso em Matemática.


Salientamos ainda que:
· A forma como o item 2 está redigido, quer em termos de texto, quer em termos de disposição na página, levará certamente muitos alunos a efetuar a operação errada. Consideramos que se trata de uma “ratoeira” desnecessária.
· Confrontando com aquilo que o Programa estipula, o item 5B aparenta ter um grau de complexidade demasiado elevado para este nível de ensino.
· No item 4 discordamos da utilização do símbolo «1/4» inserido numa frase redigida em português; note-se, além disso, que este item não avalia o tema de frações, que está totalmente ausente desta prova, já que «um quarto» no contexto deste item é apenas um conceito ligado à divisão exata de números naturais e que precede e dispensa o conceito de fração.
· No item 5 saudamos a indicação explícita da regularidade a que a sequência de figuras deve obedecer, indicação que está infelizmente ausente do item 6. Como temos indicado frequentemente, essa indicação é fundamental já que a apresentação de um número finito de elementos de uma sequência não permite deduzir o próximo, existindo sempre uma infinidade de padrões/regularidades distintas com que a sequência pode ser completada.
· Para o 2.º ano de escolaridade, o item 8 tem demasiados passos para efetuar. Aquilo que é recomendado para este nível de escolaridade no Programa e Metas Curriculares são dois passos (como é o caso do item 10, que constitui um bom problema).
· O item 13.2 necessitaria de uma pequena introdução, como por exemplo “Observado o diagrama...”.
 

Publicado/editado: 19/06/2019