Se e Só Se por José Carlos Pereira - A pergunta 4 e Mais Uma Ou Outra Consideração

Eixos de Opinião de Setembro de 2021

José Carlos Pereira - Professor de Matemática. Autor de Livros Escolares. Responsável pelo Site Recursos para Matemática e Autor do Canal no Youtube – MathSuccess Fátima (Ler +)


Título: A pergunta 4 e Mais Uma Ou Outra Consideração

O Exame Nacional de Matemática A deste ano não foi fácil. As dificuldades começaram logo na primeira pergunta, que não sendo propriamente difícil, continha, em meu entender, aquilo a que se pode chamar “uma rasteira”, agravada por ser uma questão de escolha múltipla. Vi muitas provas em que o examinando foi “rasteirado”. Das dezoito questões, apenas a 6. era directa ou quase directa, todas as outras necessitavam de muita atenção e, em muitos casos, de muito trabalho – por exemplo, as perguntas 5., 9., 12. e 15. Nesta última, a escolha da letra k para parâmetro não foi a mais feliz, uma vez que é comum, na resolução de equações trigonométricas, utilizarmos precisamente a letra k.   

Confesso que, tendo em conta o contexto que atravessamos, não esperava um aumento tão significativo do nível de dificuldade em relação à prova do ano passado. Não devemos esquecer o facto de estes alunos, os que realizaram a prova deste ano, terem tido, nos últimos dois anos, cerca de seis meses de aulas à distância. Naturalmente que os resultados foram bastante piores do que no ano passado, confirmando as expectativas à saída da prova. 

Neste momento, após esta espécie de preâmbulo, o leitor estará a pensar: “mas o que tem de especial a pergunta 4 para estar destacada no título?”

Para perceber a razão, sugiro que comece por ler o enunciado desta questão. Pode fazê-lo aqui

No enunciado diz que “os dois condutores são dois dos dirigentes”, podendo esta afirmação ser interpretada como estando os dois condutores já escolhidos e que, portanto, bastaria permutá-los pelos dois lugares de condução. No entanto, não era isso que se pretendia. Pretendia-se que primeiro fossem escolhidos dois dos três dirigentes e só depois permutá-los pelos dois lugares. Quando li a pergunta, a minha interpretação foi a que se esperava, mas houve quem a interpretasse da primeira forma que aqui escrevi. Eu entendo-a. O enunciado é suficientemente ambíguo para que isso tivesse ocorrido.  

Os enunciados de Combinatória e de Probabilidades são dos mais difíceis de formular, prestando-se muitas vezes a mais do que uma interpretação plausível. É por isso que neste tipo de questões os cuidados devem ser redobrados. Já me aconteceu desenvolver um enunciado que é claro para mim, mas que para outro colega ou para um aluno não o é. Tenho cada vez mais cuidado, mas mesmo assim acontece. 

Neste caso, uma formulação do tipo “apenas os dirigentes podem conduzir e qualquer um dos três o pode fazer”, talvez não levantasse dúvidas. 

Num outro prisma, pelo que notei nas provas que vi, com vista a um possível pedido de reapreciação, a pergunta 4 deve ter sido a mais difícil de classificar, o que, em minha opinião, se deveu ao facto de as possibilidades de respostas correctas a esta questão serem imensas. É (também) por isso que a Combinatória é um dos meus temas preferidos – quem me segue neste espaço, já o sabe. 

Para terminar quero deixar dois comentários, também no decurso das provas que vi, em relação a alguns critérios de classificação, daqueles que não são públicos – sim, há critérios que não o são:

Na pergunta 10.1. se o aluno, no cálculo do limite à direita de 1, ao fazer a mudança de variável y = x – 1, indicasse apenas que y -> 0 e não y -> 0+, teria um desconto de 1 ponto. É verdade que y tende para 0 à direita, mas dai a ser considerado um erro formal o facto de não se ter indicado o “+”, parece-me um excesso de zelo.

Na pergunta 11. – e aqui falei com alguns colegas que me confirmaram – se o aluno, depois de ter feito tudo direitinho, usasse valores aproximados de  e de  para comparar com -1/2, seria descontado em cinco pontos. A razão invocada tem a ver com o Critério Geral 14:

“Utilização de valores aproximados numa etapa quando deveriam ter sido usados valores exactos.”

Acontece que aqui, os valores aproximados apenas servem para comparar com -1/2, isto é, pretende-se apenas comparar  e  com -1/2. Nada no enunciado impede que se usem valores aproximados, nem mesmo o facto de nele estar escrito “resolva o item sem recorrer à calculadora”. Aparentemente, para o IAVE é proibido um aluno conhecer um valor aproximado de  e de saber fazer contas de multiplicar e de dividir. Até se pode argumentar o seguinte: “certamente que o aluno não obteve os valores aproximados fazendo as contas sem recorrer à calculadora, pelo que infringiu as instruções do enunciado. Consequentemente, deve ser penalizado por isso”. E provas? A não ser que o aluno o confirme, não há maneira de o provar. Portanto, vale a velha máxima da justiça: “in dubio pro reo”.

Se o desconto na 10.1., pela razão que referi, me parece um excesso de zelo, o desconto na 11., pelas razões apresentadas, parece-me um completo absurdo.  

Com isto concluo, se calhar exageradamente, reconheço, que para ter uma boa nota no Exame Nacional de Matemática A não basta saber Matemática, é preciso saber a Matemática do IAVE. Já estamos mais ou menos habituados. Sabemos que para o IAVE há Matemática Boa e Matemática Tabu. Por exemplo, a regra de Cauchy é um tabu para o IAVE.  

Desejo a todos um ano lectivo de 2021-2022 tranquilo. 

 

Publicado/editado: 03/09/2021