Conversas Paralelas por José Matias Alves

Clube de Matemática da spm


      

      

"Conversas Paralelas" é a rubrica que nos dará uma visão exterior à matemática, com as ferramentas das Ciências de Educação. Vamos  ter certamente uma leitura diferente, onde a arte das palavras vai justificar argumentos num espaço onde os números dominam. 


José Matias Alves - Diretor Adjunto da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa     

      



Artigo de dezembro

Clube de Matemática SPM


Título: 
A Impossível Profissão


Foi Freud (1937) quem mencionou as três profissões impossíveis: a de psicanalista, a de governante e a de professor. Deixemos a discussão em torno das duas primeiras e não aprofundemos a questão da profissionalidade da governação. Centremo-nos na docência e na sua progressiva impossibilidade.

Impossível profissão, esta de fazer aprender todos os alunos que nos são confiados. Porque alguns não querem aprender o que prescrevem que eu ensine; porque o prolongamento arbitrário da compulsão escolar de 12 anos cria ambientes explosivos; porque é impossível ensinar segundo as necessidades individuais de cada aluno, diferenciar sistematicamente as condições de aprendizagem, realizar uma avaliação personalizada quando se tem semanalmente de interagir com cerca de 200 alunos; porque as condições de trabalho têm vindo a ser progressivamente mais complexas e exigentes; porque o valor social da educação anda pelas ruas da amargura; porque a mobilidade social ascendente já quase não existe, estando mesmo em regressão; porque os climas e as culturas escolares se mantêm numa contínua instabilização que tornam precários os vínculos profissionais e organizacionais; porque o Diário da República continua a sua fúria de prescrição e de inutilidade, decretando a destempo e definindo regras quando o jogo vai já a meio.

Mas se a profissão sempre foi impossível, desde 2008 – com a aplicação do novo ECD - cresceu exponencialmente a natureza da sua impossibilidade. Com os professores a serem progressivamente desautorizados, menorizados e colonizados por um sistema hipercentralizado; a verem o seu tempo de aprisionamento escolar aumentado, muitas vezes em tarefas inúteis; a terem de exercer o ofício de guardadores de rebanhos numa prática de desprofissionalização destrutiva; a sentirem a exaustão perante tantas exigências muitas delas sem sentido e sem qualquer alcance pedagógico (de que os planos de recuperação agora formalmente extintos foram um exemplo); a verem o crescimento da confrontação pública e a exposição derivadas dos rankings que parecem cumprir sobretudo a missão do nomear e do envergonhar.

Mas o último golpe parece estar agora para vir, com o efeito conjugado de duas medidas de destruição massiva: o aumento do tempo do horário de trabalho para 40 horas semanais e com o crescimento do tempo letivo para um horário semanal entre 25 e 27 horas e o prolongamento da idade da reforma para os 65 anos.

Passar a ter mais alunos por turma; passar a ter mais turmas; passar a ter de ensinar (e avaliar) semanalmente entre 150 e 250 alunos; ter de lecionar várias horas seguidas a turmas diferentes, tendo todos os dia de interagir com muitas dezenas de alunos com perfis, expetativas e disposições diferentes vai ser uma prática de uma extrema violência e de um desgaste incalculável.

Nenhuma profissão tem esta exigência. Merece, por isso, extrema atenção e cuidado. E o mais largo e consistente reconhecimento e apoio. Sob pena desacrificarmos definitivamente o futuro.





Todos os meses, no dia 18 de cada mês - Artigos Anteriores  


Artigo "Conversas Paralelas" de Junho  - "O Professor como Organizador" - dia 18   


Artigo "Conversas Paralelas" de Maio  - "O imperativo de um regresso da pedagogia" - dia 18   


Artigo "Conversas Paralelas" de Abril  - "O Clima de Escola" - dia 18


Artigo "Conversas Paralelas" de  Março - "O Movimento da Agregação de Escolas. Exigência de Lucidez e Cidadania" - dia 18

 

Artigo "Conversas Paralelas" de Fevereiro - "Gestão das Escolas: Mudanças no sentido certo mas provavelmente insuficiente" - dia 18


Artigo "Conversas Paralelas" de Janeiro - "Uma questão de competência" dia 18


Artigo "Conversas Paralelas" de Dezembro - "A Síndrome de Estocolmo" - dia 18   


Artigo "Conversas Paralelas" de Novembro - "O Director é importante, mas..." - dia 18  

 

Artigo "Conversas Paralelas" de Outubro - "Perigo de Explosão" - dia 18  


Artigo "Conversas Paralelas" de setembro - "A minha sala de aula é uma trincheira" - dia 18  


Artigo "Conversas Paralelas" de junho - "Roteiro para uma escola eficaz em tempo de definição de políticas" - dia 18  


 Artigo "Conversas Paralelas" de maio - "Tempo de Lucidez e Exigência" - dia 18       


Artigo "Conversas Paralelas" de Abril - Tempo de Cidadania" - dia 18   


Artigo "Conversas Paralelas" de março - "Avaliação para a Melhoria" - dia 18   


Artigo "Conversas Paralelas" de Fevereiro - Reformar o Pensamento" - dia 18 

Publicado/editado: 18/12/2012