Entrevista com Carolina Santos - Licenciada em Matemática

Clube Entrevista de Outubro de 2019

A entrevista do mês de Outubro é a Carolina Santos – Licenciada em Matemática. pela FCUP. Uma conversa que vai desde a infância, pela FCUP, pelo jornal escolar MAT 2000, pela liderança até aos tempos livres. Leia aqui.

Como foi a tua infância?
Muito feliz. Cresci num meio rural, uma quinta, onde os meus pais tinham uma exploração de leite. Convivi desde cedo com muitos animais domésticos que a maior parte das crianças de hoje se calhar nunca viu ao vivo, por exemplo, vacas e galinhas. Praticamente, cresci a contar cabeças de gado. Gostava, sempre que me deixavam, de ajudar na ordenha ou na distribuição de comida pelos animais. Recordo-me que, com cerca de 6 anos, já guiava (guiava, não conduzia) trator. O meu pai engrenava a marcha em 1ª lenta, as vacas estavam todas ordenadas ao longo de um corredor em linha reta de cerca de 50m, e eu só tinha que controlar o volante e se fosse preciso parar carregava na embraiagem para o fazer. Foram tempos que certamente um número muito reduzido de crianças no mundo pode hoje viver.

Eras muito boa aluna a matemática. Qual a razão de gostares da disciplina?
Acima de tudo, fui muito afortunada pelo facto de, em 8 anos, ter tido apenas 3 professoras de matemática. Uma em cada ciclo de estudos. E tive sempre o mesmo professor na escola primária! Ao longo dos anos e com o grau de dificuldade a crescer, fui percebendo que a matemática é uma ciência para a vida. No sentido em que, toda a necessidade constante de raciocínio que lhe é intrínseca, nos prepara para sermos capazes, no dia a dia, de resolver qualquer desafio que nos apareça.

No ensino básico, já era chefe de redação de um jornal de matemática. Como foi a experiência?
Enriquecedora a nível pessoal e cultural, gratificante, de grande crescimento e aprendizagem... Também nos obrigava a interagir com muitas pessoas e, no final de contas, a promover a matemática.

Participaram em programas de televisão, entrevistaram figuras públicas… Queres explicar melhor o que era esse jornal escolar?
Era um jornal mensal chamado MAT 2000 (ano de início do projeto), de 8 páginas, com uma entrevista a uma figura pública como principal ponto de atração. O que nos permitiu conhecer um grande leque de personalidades, por exemplo, o Vítor Baía, a Júlia Pinheiro, os Anjos, o atual ministro dos negócios estrangeiros, naquela data ministro da educação, Augusto Santos Silva, entre muitos outros. Tinha também uma secção de história sobre um matemático relevante, uma parte dedicada a estatística, passatempos, caricaturas. E nós tínhamos que trabalhar para recolher informação para o jornal, fizemos grande parte das entrevistas nós próprios, miúdos de 13, 14 anos... Participamos em programas de televisão para poder entrevistar os apresentadores. Experiências muito interessantes! Editado o jornal, reuníamo-nos para dobrar e agrafar o jornal, que era impresso em folhas A3. E depois tínhamos como missão vender o maior número possível de exemplares. O jornal tinha um custo de 50 escudos, de forma a tornar-se sustentável. Mas é curioso que, ao fim de poucas edições, tínhamos pessoas a perguntar na rua se já tinha saído a nova edição do MAT 2000. No fundo era uma iniciativa que canalizava parte do nosso tempo livre para a matemática e que a promovia de forma diferente.

És licenciada em Matemática pela FCUP. O que recordas desta experiência?
Uma casa de muito prestígio e exigência. Os primeiros tempos não foram fáceis. Houve um choque significativo na dificuldade dos conteúdos, parecia que não estudava matemática, mas sim alguma ciência muito além disso. Contudo, com o tempo, fui-me adaptando ao grau de exigência, e cada cadeira feita era uma grande vitória. Fiz lá amigos para a vida, com quem partilhei as minhas dificuldades e vitórias. E hoje reconheço que foi uma ajuda importantíssima no meu dia a dia.

Tens um percurso curioso. Deste aulas de matemática durante uns anos mas trocaste de profissão. Porquê?
Na altura em que terminei os meus estudos era colaboradora em part time da Lidl. Quando terminei o curso, nunca consegui separar-me da empresa. Sentia-me bem no meu local de trabalho, tinha lá uma segunda família, sentia-me motivada para as minhas tarefas. A dada altura surgiu uma hipótese de promoção para chefe de secção, e calculando os prós e contras de ambas as profissões, não pensei duas vezes. Trabalho desde aí perto de casa, faço o meu trabalho apenas dentro daquelas 4 paredes e não trago trabalho para casa. E por incrível que pareça, trabalho na mesma com matemática!

O que fazes atualmente?
Sou chefe de loja na loja do Porto-Areosa. Tenho uma equipa de 28 pessoas. Faço previsões de vendas, analisando taxas de crescimento face a períodos homólogos, e previsões para o número de horas de trabalho que preciso de investir de forma a atingir um determinado objetivo de produtividade (que calculamos dividindo as vendas pelas horas). Em seguida tenho que, mediante as disponibilidades horárias de cada uma das 28 pessoas, assegurar o bom funcionamento da loja, garantir que tenho os braços certos na hora certa, maximizar as vendas e minimizar os custos. No fundo, o meu trabalho é de gestão. Temos ainda que minimizar as perdas de inventário e o desperdício alimentar.
 

Estás a gerir pessoas. É melhor que gerir alunos em sala de aula?
Sem qualquer sombra de dúvida. Se compararmos em termos numéricos, eu praticamente tenho uma turma para gerir. A diferença é que os meus “alunos” vêm para a “sala de aula” diariamente motivados, com vontade de aprender e crescer. Trabalhamos para um objetivo comum e canalizamos para lá as nossas energias. E depois somos capazes de ver o nosso trabalho e os seus frutos. Sinto que a minha formação enquanto professora é útil no sentido em que consigo transmitir conhecimento e que a minha equipa o usa para crescer. A principal razão que me levou a deixar o ensino foi a falta de retorno do meu investimento. Sinto que hoje, o professor não é um líder na sala de aula. Que a grande maioria dos alunos vê o ensino como uma obrigação e não como uma etapa fundamental e muito importante no seu desenvolvimento. Ficava desapontada por todas as horas investidas na preparação das minhas aulas e por ter apenas dois ou três alunos que valorizassem, retivessem e fossem capazes de mostrar com sucesso significativo o conhecimento que adquiriam. Em suma, a colheita da multiplicação de esforços é muito maior na minha profissão atual do que no ensino.

Tens uma paixão pela tua profissão atual. Porquê?
Trabalho para o maior retalhista da Europa e um dos maiores do mundo. Sou bem remunerada pelo trabalho que faço. Tenho formação adequada para o desempenho das minhas tarefas. Tenho hipótese de progressão e desenvolvimento de carreira dentro da empresa. Tenho objetivos para cumprir, sou eu que defino a estratégia, planeio os passos, reajo às adversidades, formo e oriento a minha equipa. A exigência é muita. E no fim, sinto que todo o esforço investido da minha parte tem um retorno muito grande. Sinto-me reconhecida e valorizada pelo trabalho que faço.

A responsabilidade também é muita…
Claramente. Tenho que calcular diariamente o impacto que cada decisão que tomo pode ter na minha loja e na minha empresa no imediato, a médio e longo prazo. E tenho que manter a minha equipa unida e motivada diariamente, senão os objetivos estão todos comprometidos e é para eles que nós trabalhamos.

Escreveste uma rubrica mensal denominada de “Segmentos” no clube spm. Como foi essa experiência?
Foi excelente uma oportunidade de estreitar a minha relação com a matemática. Exigia pesquisa e reflexão, definição de um paralelismo com a atualidade. E acima de tudo, voltar a olhar para a matemática de uma perspetiva diferente da que uso no meu dia a dia.

O que fazes nos tempos livres?
Pratico natação, gosto de ler e tento seguir algumas séries de TV. E tenho 2 cães que gosto de passear e que me obrigam a cerca de 2 km de caminhada por dia.

O matemático Alfred Rényi disse um dia que "quando estou infeliz trabalho matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho matemática para me manter feliz". O que te faz feliz?
Encarar um desafio, delinear uma estratégia, executar cada passo, reagir às adversidades e ver sucesso no resultado final. No fundo, é o bichinho da matemática. Estar constantemente a raciocinar e processar informação. 

Entrevista por Carlos Marinho

Publicado/editado: 01/10/2019