Entrevista a José Gomes - Treinador de Futebol do C. S. Marítimo

Clube Entrevista de Abril de 2020

José Gomes, treinador de futebol da equipa do Club Sport Maritimo é o convidado do mês de abril de 2020. Uma conversa com um lançamento longo entre a infância e a de treinador num dos melhores clubes nacionais, com desvios padrões entre outras áreas a serem problematizadas, mas cujo domínio principal é o futebol e a matemática. Com passes precisos, dribles bem equacionados, a temática do futebol estará sempre em jogo. Em poucos cálculos esta conversa vai até si nesta fatorização com este resultado final.

Nasceu em Matosinhos. Em poucos cálculos, como foi a sua infância?
Sobretudo feliz, entre Matosinhos, Vilar do Paraíso e Porto junto da minha família mais próxima.

Gosta muito de matemática. Encontra alguma “jogada” que explique esse gosto?
A magia da matemática, sem conseguir explicar cientificamente a razão. Ajuda a solucionar problemas, optar pelo caminho mais adequado no sentido do objetivo pretendido. Poupar tempo, alinhar corretamente o raciocínio e fundamentalmente evitar problemas ou nessa impossibilidade, redimensionar o problema para uma grandeza mínima.

A paixão pelo futebol tem origem em que referencial?
Cubillas talvez, com 3 e sobretudo com 4 anos sempre de bola no pé, dizia que era o Cubillas. Curioso, também é o facto, podendo a bola também ser considerada um brinquedo, contrariamente a todos os outros, não traz manual de instruções. Não limita a sua utilização, abre naturalmente um espaço infinito na sua utilização o que a torna fascinante. Há sempre algo de novo cada vez que a tocámos. Esse fascínio, associado a toda a envolvência apaixonante do futebol, marcou a linha da minha vida.

É licenciado em Educação Física. É uma boa ferramenta para um treinador de futebol?
É uma boa ferramenta, mas não é fundamental. Aliás, nem sei o que é educação física, se existe ou se algum “Aladino” algures nos recônditos deste mundo será capaz de educar o físico. Nós somos muito mais do que físico. O fundamental é entender toda a amplitude e dimensão que permite sermos considerados humanos. As ciências humanas, sim, são fundamentais. A gestão diária exigida a um treinador tem uma abrangência enorme. Atualmente, a multidisciplinariedade de suporte ao desporto de alto rendimento traz à convivência o treinador, psicólogos, metodólogos do treino, fisiologistas, nutricionistas, médicos das mais variadas especialidades (mais de uma dezena!!!), cientistas especializados no controlo do treino, adjuntos, diretores desportivos, diretores de comunicação....todos com uma ideia, uma informação, um ponto de vista, todos querem ajudar e nem sempre a ideia de cada converge no verdadeiro sentido da solução e de otimização do rendimento desportivo. Fundamental é a sensibilidade e inteligência do treinador para selecionar todos os dados, filtrar e tomar a decisão.

O futebol é um jogo geométrico gerido pela matemática. Usa a matemática no planeamento dos jogos e treinos?
Na verdade, não sei se será verdadeira a afirmação. É possível fazer coisas sem a matemática! Fica para vocês o esclarecimento. Pessoalmente acho que não. Mesmo que seja inconscientemente, ela está sempre presente. Com dados concretos, número, grandezas de valor em metros ou expressões explicadas com logaritmos, diariamente chegam à minha mesa as cargas dos treinos e jogos que servem de referência para controlar o que vamos fazendo e ajudam a (re)definir objetivos parciais, individuais e/ou coletivos.

Treinou o Reading, em Inglaterra. É verdade que o futebol neste país é diferente?
É. Não partilho da ideia de que é melhor, mas é claramente diferente, desde logo pela interpretação das regras. Se neste ponto há diferenças, o jogo vai ser diferente também. Fica mais intenso, mais contacto físico permitido pelo árbitro, pequenos toques, empurrões e até agarrões passam ao lado da paragem para falta. A enorme diferença para Portugal é o número de espectadores nas bancadas e a forma entusiástica com que apoiam incondicionalmente a sua equipa.

Já treinou um pouco por todo o mundo. Que experiências trouxe desses locais?
Esta resposta para ser completa daria um bom livro... de cada treino, de cada dia, de cada cidade ou país por onde passo, guardo registos que se acumulam no património mental e que ajudam em experiências futuras a evitar erros já cometidos, a escolher (ou construir) melhor os exercícios para determinado objetivo. Diria que de Portugal e recordo que passei como treinador e praticante por todas as divisões em Portugal e por clubes muito pequenos até Porto e Benfica, guardo a astúcia com que os portugueses montam as suas equipas. A matreira forma de preparar o plano de jogo, muito mais no anular o adversário. Propriamente na pureza de mostrar o que realmente a minha equipa é capaz de fazer assumindo o jogo, traz ao futebol ardilosas armadilhas, espaços e ações absolutamente essenciais que são proibidas dependendo de cada momento do jogo. Como se andássemos num campo de minas, minas meticulosamente colocadas para derrubar o adversário. Pode parecer contraditório o que vou dizer, mas é uma grande virtude do futebol português, que ao mesmo tempo o definha e limita no que poderia ser o máximo da sua beleza, ambição e grandeza.

É treinador do Marítimo. Como se está a dar na Ilha da Madeira?
Muitíssimo bem. Clima extraordinário, comida excelente e um clube com um potencial enorme.

Para um matemático 4x3x3 são 36. Para si é uma...
Bom para mim, apesar de para o matemático dar o mesmo resultado, a expressão está errada. Falta o Guarda redes: 1x4x3x3. Continuando, para mim é uma ilusão momentânea e perigoso pela redutora limitação que os algarismos dão ou podem dar, a jogadores pouco conhecedores do jogo. O jogo só é verdadeiramente completo quando todos os jogadores perceberem que o campo não tem muros, que todo o espaço pode ser usado por todos, porque todos repõem o espaço que outros vão deixando. Quanto mais geométrico forem os movimentos do jogador mais facilmente será descoberto o seu padrão de comportamento e por sua vez as melhores armas para o adversário o poder anular. A beleza do futebol é ilimitada. A liberdade que o jogador tem no momento da decisão, escolher a solução que nenhum adversário conseguiu adivinhar. Os sistemas existem, mas o que lhes dá vida são as dinâmicas, cultura tática e técnica dos seus jogadores (com a pequena ajuda do treinador).

José Saramago disse que “o que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas". No futebol nada é definitivo… 
...acrescentaria, como em tudo na vida, nada é definitivo...

O que faz nos seus tempos livres?
Vejo futebol, nado e monto a cavalo.

O matemático húngaro Alfred Rényi disse um dia que "quando estou infeliz trabalho matemática para ficar feliz. Quando estou feliz, trabalho matemática para me manter feliz". O que o faz feliz?

Muitas vezes pequeníssimas coisas que me levam a demonstrar amor, emocionar, dar... temos pequenos momentos de plena felicidade, bom, pelo menos eu vejo as coisas desta forma. Ser plenamente feliz não está ao alcance de quem tem uma vida normal. Ter pequenos momentos de plena felicidade é possível a qualquer pessoa. Também o sou quando vejo um jogador a evoluir, quando a equipa adotou um comportamento certo. Quando sinto que consegui ajudar.
Na verdade, a minha entrega a tudo o que faço na vida é de tal forma intensa que o amor está sempre presente, logo, quando sinto que ajudei o que recebo é o sentimento de felicidade.

Entrevista de Carlos Marinho

Publicado/editado: 01/04/2020